Northwyck Hall, Inglaterra
O relógio marcava nove horas, mas em Northwyck Hall sempre parecia mais cedo ou mais tarde do que a hora real. As janelas altas deixavam entrar uma luz pálida, filtrada por cortinas grossas, e o silêncio se instalava como uma segunda camada sobre o mármore, os espelhos e os retratos ancestrais.
Rowena Bellavere deixou o livro fechado no colo. Ela não lia há mais de dez minutos. A biblioteca estava fria, apesar da lareira acesa, como se as paredes fossem feitas para absorver todo o calor.
Ela sentou-se ereta, seu traje de montaria azul-escuro impecável, as luvas cuidadosamente dobradas ao lado do corpo. Seus cabelos negros, arrumados de forma simples, mas imaculada, revelavam seu pescoço esguio e a curva delicada do queixo. À primeira vista, ela era o retrato da filha exemplar — discreta, irrepreensível, invisível, se desejado.
Ela se levantou lentamente e foi até a janela. O jardim lá fora parecia mais cinza do que verde. Os carvalhos perdiam as folhas silenciosamente. O mundo parecia suspenso entre as estações, assim como ela.
Ninguém a esperava para o café da manhã. Nenhum compromisso social estava planejado para aquele dia. Seu pai estava ausente. Sua mãe havia morrido anos antes. Suas tias estavam espalhadas por propriedades maiores. Os criados eram educados, mas mantinham distância.
E Rowena... Rowena aprendeu a viver com o vazio.
Ele se levantou.
A criada se aproximou e lhe entregou o casaco de montaria. Rowena o vestiu sem dizer uma palavra. Depois vieram as luvas.
“Obrigado, Grace”, ele disse mal, em voz baixa.
A mulher deu um passo para trás com uma reverência discreta.
Rowena atravessou o salão principal. Duas outras criadas a olharam de relance, de botas e casaco de montaria. Nenhuma delas ousou impedi-la, apesar das ordens do conde, que determinavam que ela permanecesse dentro de casa.
No estábulo, o cavalo já estava pronto — ela mesma havia pedido na noite anterior que o selasse cedo. O animal relinchou ao vê-la, inquieto, como se compartilhasse a tensão que endurecia seu olhar. Um garanhão árabe de temperamento feroz. Quando seu pai o comprou, ele havia mordido dois cavalariços e dava coices sempre que alguém tentava montá-lo. Ele só permitia que Rowena o montasse. Quando seu pai descobriu, fez questão de descobrir quem o havia treinado. Ao descobrir que fora uma mulher, disse com desdém:
— Isso explica tudo. Se ele foi treinado por uma mulher, é natural que não saiba obedecer.
Ele montou facilmente, sem ajuda. Os cavalariços já estavam acostumados.
O gerente, Jim, um homem de ombros largos e rugas profundas, aproximou-se com passos firmes, com a familiaridade de alguém que a viu crescer.
"Cuidado, senhorita", disse ele, coçando o queixo com os nós dos dedos. "Esse cavalo não vale nada. Outro dia, o John estava limpando o estábulo e quase perdeu os dentes com um coice."
Rowena acariciou o pescoço do garanhão, que bufou suavemente, mas permaneceu imóvel.
—Não se preocupe, Jim.
O homem bufou, desconfiado.
—Bem... mesmo assim. Ele é uma criatura mal-humorada.
Ela sorriu levemente.
-Talvez.
Jim abriu a boca para responder, mas Rowena já estava de pé na sela, puxando as rédeas com um gesto calmo e confiante. O cavalo relinchou inquieto, pronto para partir.
"Cuidado, senhorita!" ele repetiu, num tom entre advertência e rendição.
Ela não respondeu. Trotou com o cavalo pelo pátio, passando pelo portão de ferro, que se abriu com um rangido surdo. Assim que saiu da vista dos criados, esporeou o animal para um galope.
A brisa cortava seu rosto, mas era mais fácil respirar o ar fresco. No campo, não havia olhares atentos, nem regras disfarçadas de boas maneiras. Apenas terra, vento e distância.
Rowena Bellavere não era uma jovem rebelde, como algumas de suas contemporâneas — de quem eu ouvira falar certa vez, tomando chá na casa de Lady Blackmoor —, fascinadas por panfletos franceses ou ideias importadas de Londres sobre os direitos das mulheres. Ela não precisava de manifestos ou escândalos.
Ela aprendera, desde muito jovem, a sorrir no momento certo, a responder diplomaticamente, a parecer charmosa sempre que fosse esperada. Mas por trás da obediência cultivada, havia algo mais — uma fome silenciosa e ancestral. Um desejo de liberdade que nem o frio, nem a solidão, nem os anos conseguiram extinguir.
Tem que haver um jeito de me libertar, pensou ele. Só preciso descobrir qual é.