Capítulo 8 – Dia de Feira: A Grande Guerra dos Lanches
Era madrugada ainda, quando o som do despertador mal teve tempo de tocar. Arlindo já estava de pé. Sentia no ar aquele cheiro de desafio... e de legumes frescos. Sim, era dia de feira — o mais temido e mais esperado dia da semana.
Às 5h em ponto, ele chegou à porta da pastelaria "Pastel e Glória", onde estavam enfileirados como bons soldados seus quatro fiéis escudeiros: Dudu, o agitado; Zoraide, a rainha da chapa; Ermes, o braço forte da limpeza; e Nicolas, o aprendiz metido a sabichão.
Arlindo, com o olhar firme de um general e o jaleco engomado como uma farda, disparou:
— Hoje é um grande dia, recrutas!
— Hoje enfrentamos a grande guerra... a guerra da feira!
Apontou dramaticamente para o outro lado da calçada.
Lá estava ela...
A Combe de Robson.
Reluzente, armada com mostarda premium, ketchup artesanal e salsichas que brilhavam como munição recém-polida.
Na lateral da lataria, em letras chamativas: DOGÃO EXPRESS.
— Lá fora, o inimigo está bem armado, — continuou Arlindo, com voz grave.
— Salsichas de primeira, maionese gourmet... Eles têm o sabor. Mas nós temos a alma. Iremos lutar com tudo o que temos, com pastel de vento ou recheado, com óleo quente e farinha no peito. Vamos manter nosso posto!
O sol nem havia nascido. E Arlindo já comandava a cozinha como um capitão de guerra, apontando ordens, testando o calor do óleo com o dedo molhado e organizando a tropa como se fosse a infantaria da Segunda Guerra Mundial.
A pastelaria estava lotada. Gente entrando, saindo, voltando porque o cheiro do pastel de carne seca com catupiry era quase um feitiço indígena.
Zoraide girava a massa com maestria.
Dudu gritava pedidos como se estivesse em um leilão.
Nicolas errava troco, mas com carisma.
Ermes limpava chão e bandeja com a velocidade de um ninja.
Enquanto isso, do outro lado da rua, Robson estava claramente no sufoco.
O movimento no Dogão Express estava bombando, mas ele estava sozinho. Corria, fritava, montava, atendia... uma luta de um homem só.
O suor já escorria da testa até a nuca. A chapa gritava. O pão queimava.
Arlindo, observando de longe com olhos semicerrados, respirou fundo e disse:
— Nicolas! Ermes!
Os dois se aproximaram, prontos para mais uma missão culinária.
— Vão lá ajudar ele. Um soldado caído é um prejuízo para toda a rua. Ele prepara os lanches, vocês cuidam dos clientes.
— Mas, chefe... ele é o inimigo! — disse Nicolas, confuso.
— Hoje ele é só um cozinheiro em apuros. E aqui, a guerra pode até ser de sabores... mas a honra vem antes da fritura.
Sem discutir, os dois obedeceram.
Cruzaram a rua como paramédicos de jaleco, pegando sacolas, anotando pedidos, gritando "qual é a senha do cheddar?" e dando conta da missão com garra.
Robson, surpreso e meio sem saber o que dizer, apenas sorriu.
Arlindo, do outro lado da rua, cruzou os braços e olhou para o céu que clareava.
— Que vença o melhor... mas que ninguém passe fome.
E naquele dia de feira, onde o cheiro de pastel se misturava ao de cachorro-quente, duas cozinhas rivais fizeram história.
E provaram que, no fim das contas, a verdadeira guerra se vence com coragem... e uma boa dose de maionese temperada.
O sol já descia lentamente, tingindo o céu do Rio com tons de laranja, como se até ele soubesse que aquele dia precisava terminar bonito. A guerra da feira havia passado — com suor, fritura e muito ketchup — e agora era hora de descanso.
Arlindo apareceu como sempre, com seu kit de veterano: uma garrafinha térmica de café, um maço de cigarros e um olhar cansado, mas orgulhoso.
A sua equipe — Dudu, Zoraide, Ermes e Nicolas — se juntou a ele em frente à pastelaria. Montaram uma roda improvisada de cadeiras plásticas e caixas de isopor, o tipo de roda que só quem venceu o dia tem o direito de sentar.
Logo, Robson também chegou, limpando as mãos em um pano de prato suspeito, e foi convidado a se juntar. A guerra podia ter terminado, mas a amizade começava ali.
— Então, Robson... tá gostando do bairro? — perguntou Arlindo, enchendo os copos americanos com café fresco.
— Tô sim. A vizinhança é bem... hospitaleira, — respondeu Robson, com um meio sorriso e um suspiro de exaustão.
Arlindo soltou uma risada abafada, tragou o cigarro com maestria e mandou:
— Você acredita que hoje apareceu um cara pedindo um litro de caldo de cana de brinde?
— Tinha comprado só um pastel de vento! UM!
A galera gargalhou.
— E o senhor deu? — perguntou Robson, ainda se acostumando com o jeito malandro do comércio carioca.
— É claro que não, rapaz! — respondeu Arlindo com os olhos arregalados.
— Mas convenci ele a levar mais três pastéis. Aí dei o caldo. É o famoso combo do desespero: “Compra ou morre de sede”.
Mais risadas. Até Zoraide, que raramente sorria, deu uma risadinha de canto.
— Eu não sabia que a sexta-feira era tão movimentada aqui... — comentou Robson, balançando a cabeça em choque.
— Mas é claro, rapaz! — retrucou Arlindo.
— Sexta é dia de feira, dia de aposentado com dinheiro, dona de casa com tempo e criança com fome. É o trio da perdição!
Dudu, com o rosto todo oleoso e o avental desbotado, soltou com a alma:
— Sinceramente, alguns clientes são insuportáveis...
A frase caiu como uma bomba de verdade.
Todos caíram na gargalhada. Daquelas que doem o estômago, que fazem esquecer o cansaço e lembrar que, apesar de tudo, vale a pena.
— Teve uma senhora que pediu pastel sem cebola, sem carne, sem cheiro-verde e sem recheio. Eu vendi o vento puro pra ela... — disse Zoraide, arrancando mais gargalhadas.
— Teve um cara que me perguntou se o dogão era vegano. Eu perguntei: qual parte da salsicha ele achava que era vegetal? — contou Robson, segurando o riso.