O sol afundava-se atrás das colinas, tingindo o céu de tons dourados. O riso de três crianças ecoava pelos campos que separavam as propriedades de Cavendish e Sinclair.
Gabriel, com os cabelos loiros a brilhar sob a luz quente do entardecer, liderava a brincadeira do dia: um jogo de apanhada junto ao pequeno bosque que separava as duas propriedades. Lilian, com o vestido de linho já marcado pela terra, perseguia-o com determinação, os caracóis negros a balançarem ao ritmo da sua corrida.
— Não vais escapar desta vez, Gabriel! — gritou ela, rindo, enquanto saltava por cima de um tronco caído.
— Só porque nunca corres tão rápido quanto eu, Lilian! — respondeu Gabriel, escondendo-se atrás de uma árvore robusta com um sorriso travesso.
Clara, a terceira do grupo, hesitava, os dedos apertando a barra do vestido. Observava a brincadeira, indecisa entre ceder à vontade de correr ou obedecer à criada mais velha, que lhe dissera para se comportar.
— Vem, Clara! — chamou Lilian, virando-se para trás com um sorriso incentivador. — É só um jogo. O meu pai não está a ver.
Gabriel espreitou de detrás da árvore, com um brilho traquina nos olhos.
— Sim, Clara! Prometemos que não dizemos nada ao Duque. Certo, Lilian?
Depois de um momento de hesitação, Clara riu-se e decidiu juntar-se a eles. Num instante, os três corriam pelos campos como se não houvesse diferença entre herdeiros e criada. Ali, entre risos e desafios, eram iguais. Gabriel ajudou Clara a trepar o muro de pedra que separava as duas herdades, enquanto Lilian, já no topo, os incentivava com gestos entusiasmados.
Quando chegaram ao cimo da colina, onde o vento soprava mais forte e o cheiro das flores silvestres era mais intenso, sentaram-se na relva para recuperar o fôlego. Gabriel olhou para a árvore mais alta nas proximidades e declarou com um sorriso confiante:
— Vou subir àquela árvore.
Lilian revirou os olhos, mas desafiou:
— Duvido que consigas. A última vez que tentaste, ficaste preso.
Clara, deitada na relva, sorriu, espreitando entre os dedos.
— E depois tiveste de pedir ajuda à Lilian, o que não pareceu nada corajoso.
— Isso não conta — respondeu Gabriel, corado, já a subir os primeiros ramos.
Lilian riu-se, cruzando os braços enquanto o observava a trepar.
— Teimoso.
Não demorou muito para Gabriel ficar novamente preso, a camisa enganchada num galho.
— Preciso só de um empurrãozinho — gritou, enquanto tentava soltar-se.
Lilian e Clara trocaram um olhar cúmplice antes de se levantarem.
— Talvez o deixemos aí até o vento o empurrar — sugeriu Clara com um tom irónico, arrancando risos de ambas.
Gabriel, finalmente solto, desceu da árvore com o ar mais digno que conseguiu fingir, embora as folhas presas no cabelo o traíssem.
— Pronto, agora sou oficialmente o rei das árvores — anunciou com um sorriso travesso, fazendo as duas rirem ainda mais.
— Um rei muito trapalhão — provocou Lilian, enquanto todos seguiam em direção ao topo da colina.
O riso foi-se dissipando, dando lugar ao sussurrar do vento. O céu, tingido pelo entardecer, parecia uma tela dourada sobre as suas cabeças. Por um momento, nenhum deles falou. Apenas olharam o horizonte, como se soubessem, instintivamente, que aqueles dias nunca durariam para sempre. O som distante de um sino ecoou ao longe, como se o dia estivesse a despedir-se. Por um instante, tudo parecia perfeito.
— Lilian — começou Gabriel, ainda a recuperar o fôlego — achas que o teu pai vai zangar-se se souber que atravessámos o bosque outra vez?
Lilian virou-se para ele, com um sorriso ligeiramente travesso.
— O meu pai não vai saber, Gabriel, e se souber até pode ficar zangado, mas isso não muda nada.
Clara, com as bochechas coradas pelo esforço, disse num tom baixo, desviando o olhar:
— Eu não tenho pai para se zangar comigo.
Apertou o medalhão com força entre os dedos. O metal frio contra a sua pele era o único legado que lhe restava.
Gabriel e Lilian trocaram um olhar breve, sem saber como responder. Lilian puxou Clara para junto de si, com um sorriso decidido.
— É por isso que estaremos sempre juntos. Não precisamos de mais ninguém.
Clara sorriu, tímida, e deitou-se na relva ao lado deles, voltando a brincar com uma flor que segurava.
Gabriel deitou-se de costas na relva, o olhar no céu azul-escuro que começava a surgir.
— Os adultos nunca entendem. Mas nós? Nós vamos ser amigos para sempre.
Lilian sorriu e fechou os olhos, absorvendo a paz daquele momento.
— Para sempre — repetiu, sem imaginar quão depressa tudo iria mudar.
Por um instante, ficaram todos em silêncio, a apreciar a brisa que soprava. Não precisavam de palavras para saber que, naquele momento, tudo estava bem no mundo.