Corações na Tempestade - Versão Portuguesa

Episode 3

A caminho de Saint-Malo …

Tabitha estava farta de andar de carruagem, afinal porque é que os pais não tinham escolhido um porto mais perto de Paris? Qual era a necessidade de percorrer quase toda a França para chegar a Saint-Malo? Era uma loucura. Ela jà viajava hà pelo menos três dias, e acabava cada dia mais cheia de dores de andar aos solavancos de um lado para o outro por estradas que mais pareciam caminhos de animais.

O calor tinha sido insuportàvel, mas o vento que começara a soprar a meio da manhã, arrancando as folhas das àrvores e arrastando-as para longe, em direção às escuras colinas que se viam ao longe era mil vezes pior. Atràs dele viera um chuvisco que se transformara gradualmente numa chuva pesada. Cada vez que ela afastava a cortina que cobria a janela para ver por onde passavam observava que o ambiente que a rodeava ia ficando cada vez mais desolador e escuro na luz da tarde que se começava a extinguir.

Naqueles três dias não haviam encontrado viva alma, a não ser hà noite quando chegavam aos sítios onde iam pernoitar. Amélie, a sua acompanhante não dizia nada, só franzia o sobrolho de cada vez que ela fazia algum comentàrio acerca das condições da viagem ou lhe fazia perguntas sobre os pais.

Amélie era uma mulher de meia-idade, magra, de cabelos cinzentos sempre apanhados num carrapito muito bem aprumado. Hoje vestira um fato cor de mostarda que lhe realçava o aspeto magro e encovado das feições. Não se podia dizer que era uma mulher comunicativa ou mesmo sorridente, sendo que a única altura em que ela ficava mais faladora era quando chegavam a uma nova estalagem e começava a dar ordens para levarem as suas coisas e as de Tabitha para os quartos. Depois de verificar que tudo estava de acordo com o que havia ordenado remetia-se novamente ao silêncio. Era frustrante. Mas graças a deus que hoje chegariam ao destino.

Algum tempo depois a carruagem abrandou e Tabitha espreitou là para fora. Tinham chegado. Enquanto atravessavam a rua principal ia pensando para consigo.

Afinal porque é que os pais tinham que vir mais tarde? Não que eles se preocupassem com ela, a sua infância tinha sido preenchida por amas e criados. Amélie era exemplo disso, afinal ela era mais sua mãe do que Henrietta. Segundo a mamã, ela era uma prima afastada que perdera o marido e viera para a ajudar logo depois de Tabitha nascer. Inicialmente viera só por uns dias, mas a vida agitada que a mãe levava acabara por fazê-la ficar.

Era dela que se lembrava de quando estava doente ou caía e esfolava um joelho. Tinha sido ela que a ensinara a escrever e a contar, a sentar-se à mesa e a servir-se dos talheres certos para cada prato, isto até atingir a idade de começar a frequentar a Escola para Meninas de Bem de Madame Bousquet.

A mãe pensou ela, só se preocupava com festas e o pai com a mãe, viviam um para o outro e para os seus luxos. Ela soubera a verdade por um acaso. Um dia estava a ter aulas de canto com Madame Paulete, quando Geraldine Roux, uma das meninas da aristocracia francesa que também frequentava a escola fizera circular um pedacinho de pergaminho no qual afirmava que os seus pais não queriam saber dela e que eram uns devassos. Dizia que tinham a alcunha do Casal Real, e que era possível encontrà-los em qualquer lugar onde se realizassem jogos de azar, e que muitas vezes recorriam a meios menos lícitos para ganhar. Geraldine fizera da sua vida um inferno.

Soubera também que onde houvessem jogos de azar eles estariam là. Ela nunca os compreendera. Mesmo agora, pouco antes de partir começara a reparar no comportamento agressivo do pai. Respondia de forma agressiva a todas as perguntas que lhe eram colocadas, tratava mal os criados, ainda pior do que o costume e mal terminava a refeição levantava-se e trancava-se no escritório levando consigo uma garrafa de porto ou conhaque, o que houvesse. E a mamã andava irritadiça e irrequieta, fechando-se horas a fio no quarto e recusando-se a sair. Por vezes parecia-lhe que convivia com dois estranhos, mas na verdade, nunca houvera grande afeição da parte deles. Ela era apenas uma forma de realizar os seus desejos. Um peão para manobrarem. Ainda hà pouco tinham começado com a história de lhe arranjar um casamento propício.

Tabitha suspirou, eles jà se deviam ter apercebido que iriam ter uma grande desilusão nesse campo pois ela não se iria contentar em fazer o que lhe mandavam, mas isso não deveria ser novidade para eles pois ela jà era um grande desapontamento. Era uma rapariga simples e vulgar, que não alimentava grandes ambições ou sonhos, de se tornar uma grande senhora da aristocracia. Gostava de sossego e do campo, detestando a cidade e o seu constante movimento. Sempre sonhara em encontrar alguém que a amasse, um homem respeitàvel com quem criar os seus filhos, mas os pais tinham sempre alimentado grandes ideias a seu respeito.

Por vezes assustavam-na com a sua incessante busca de formas de enriquecer e de ter um lugar de destaque na sociedade. Mesmo agora estavam de partida porque a mãe achava que teriam mais hipóteses de encontrar um marido rico do outro lado do canal. Sabia que nunca a compreenderiam nem ela a eles. Os seus desejos e crenças eram completamente opostos. Se ao menos …

Um solavanco mais forte seguido da voz do cocheiro a mandar os cavalos pararem colocou fim aos seus pensamentos. Logo de seguida a portinhola da carruagem abriu-se e uma criança escanzelada e com roupas puídas desceu os degraus para ela sair, saindo logo a correr para tomar conta dos cavalos e encaminha-los para o estàbulo. Entretanto a chuva que tinha começado a cair durante a tarde com o aproximar da noite engrossara e tornara-se numa pesada tempestade. Relâmpagos cruzavam o céu e iluminavam o mundo com uma luz fantasmagórica. Ela encolheu-se. Nunca gostara de tempestades.




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