Devereux acordou com uma sensação estranha como se alguma coisa estivesse para acontecer. Jà aprendera hà muito tempo a dar ouvidos a estas sensações, assim ficou alerta. Tratou dos seus afazeres matutinos sozinho pois optara hà muito por não ter um criado particular, não com vida que fazia, e depois de vestido saiu do camarote em busca do pequeno-almoço. Ao fechar a porta sentiu que a temperatura tinha diminuído e soube que se adivinhava uma tempestade.
Ao longe, via-se uma cortina de chuva. Ignorava a que distância estaria a tempestade, mas sabia que seria dura quando chegasse. O Capitão Scott apareceu ao seu lado, cumprimentando-o com um aceno de cabeça.
- Aproxima-se uma tempestade, Devereux.
- Sim, Capitão, jà tinha reparado, e as nossas hóspedes jà foram avisadas?
- Ainda não, tenho de enviar là alguém para lhes dizer que não devem sair dos aposentos.
- Se quiser eu posso avisar as senhoras.
- Agradeço-lhe Devereux, mas depois volte para o seu camarote e abrigue-se, enquanto eu vou dar ordens para arriarem as velas. Cheira-me que serà das fortes. Tenho que navegar para àguas mais seguras, para uma das enseadas das ilhas, em alto-mar é que não podemos ficar. E com isto continuou o seu caminho. Ethan ficou parado a olhar para o horizonte enquanto o Capitão gritava ordens para a direita e para a esquerda.
- Todos para a coberta. Fechem as escotilhas e levem toda a carga para baixo, por mais pequena que seja. Os restantes cabos, ferramentas, tudo o que possa sair borda fora ou rolar pelo convés … para baixo! Gritava ele.
Ouviam-se ruídos e gritos enquanto todos se apressavam a fazer o que o Capitão ordenara. Naquele momento, um silêncio assustador caiu sobre eles, como se a própria natureza se tivesse calado.
O Capitão conhecia bem aquele silêncio tal como a tripulação, era a bonança antes da tempestade.
- Devereux, não fique aí parado homem, recolha-se ao seu camarote pelo amor de Deus. Jaime verifica o rumo, Oeste, Nordeste.
- Não conseguiremos deixar a tempestade para tràs, Capitão.
- Não tento deixà-la para tràs, mas levar o navio para àguas mais seguras.
Ethan sabia que havia algumas ilhotas por ali, bem como bancos de areia traiçoeiros. Pelo menos jà tinham saído das proximidades de Saint-Malo e dos seus penhascos que poderiam destruir o navio. Se conseguissem manter-se à tona sem que o navio se afundasse, talvez conseguissem contornar o temporal.
- Recolham as velas - ouviu o Capitão ordenar. Deviam estar perto de uma das ilhotas. Devereux correu em direção ao camarote de Tabitha, tinha que a avisar. Ainda ouviu o grito de um dos marinheiros a avisar que a tempestade estava em cima deles. Logo de seguida uma tromba de àgua caiu em cima deles.
A chuva chegou com uma fúria repentina, como se o céu tivesse decidido desabar num único instante. Gotas grossas e geladas caíam em rajadas desordenadas, impiedosas, como flechas disparadas por um exército invisível. O vento rugia em volta, vindo do mar com uma intensidade quase sobrenatural, e parecia trazer consigo o sal e a raiva das ondas. Ethan ficou encharcado em questão de segundos. A àgua ensopava-lhe as roupas, colando-se ao corpo como uma segunda pele fria e incómoda. Cada gota era como a picada de uma abelha, insistente e cortante, enquanto o vento fustigava o seu rosto, roubando-lhe o calor e o ar. Ele cerrou os dentes, cada músculo do corpo tenso contra a força da tempestade, mas permaneceu de pé. O céu era uma cortina cinzenta e tumultuada, e o chão do navio sob seus pés parecia instàvel. Ainda assim, havia algo na fúria da tempestade que falava com ele, refletindo a batalha interna que travava em silêncio. E no meio do caos, ele não recuou.