Tabitha olhava através da grande janela gradeada para os jardins là em baixo. O dia aproximava-se do fim e a chuva que começara novamente a cair após a sua chegada parara finalmente, dando lugar a um céu escuro e cheio de nuvens. Conseguia ouvir o mar revolto cujas ondas furiosas embatiam pesadamente contra os rochedos. A tremer apertou o xaile de seda em torno dos ombros. Pegou na campainha e tocou para chamar a criada. Minutos depois esta entrou para fechar a janela e acender as luzes. Tabitha foi sentar-se em frente da lareira numa cadeira estofada de cetim de riscas verdes e azuis. A temperatura havia baixado. Os toros que ardiam lançavam para o ar chispas alaranjadas.
Apesar de partilharem o mesmo espaço, Tabitha quase não via Devereux. A única ocasião em que se poderia considerar que estavam verdadeiramente próximos era durante o jantar, quando ele, impecavelmente educado, partilhava sua companhia com uma compostura quase teatral. Nessas ocasiões, ele era cordial, mas distante, mantendo sempre uma barreira que a deixava desconfortavelmente ciente de sua presença e, ao mesmo tempo, da sua ausência emocional.
Ele esperava sempre que Tabitha se deitasse e, presumivelmente, adormecesse antes de subir ao quarto. Ela nunca soubera ao certo o que seus anfitriões pensavam daquele comportamento peculiar. Talvez imaginassem que fosse um traço de cavalheirismo, uma tentativa de preservar sua privacidade, ou talvez jà tivessem percebido a tensão não resolvida que pairava entre os dois.
Tabitha, no entanto, sabia que não havia privacidade em compartilhar um quarto, nem mesmo quando ele fazia questão de manter a distância. Muitas vezes, ela fingia dormir apenas para ouvir os sons suaves dos seus passos pelo quarto. Era nesses momentos, quando ele acreditava que ela estava mergulhada no sono, que Devereux parecia um pouco menos rígido. O leve ranger da cadeira, o farfalhar da roupa quando ele se preparava para dormir, e, às vezes, até o som de um suspiro pesado carregado de algo que ela não conseguia decifrar. Mas durante o dia, as poucas horas que passavam juntos eram um verdadeiro tormento. Por vezes, ele era insuportavelmente frio, deixando claro que preferia estar em qualquer lugar que não ali. Outras vezes, no entanto, ela sentia o peso do olhar dele sobre si – aquele olhar penetrante, como se ele tentasse ler algo em sua alma que ela mesma desconhecia. "Nem sei o que é pior," pensava Tabitha, enquanto compunha o vestido que parecia sempre mais apertado quando ele estava por perto. "A frieza dele ou o jeito como ele olha para mim, como se eu fosse um enigma que ele està determinado a resolver." A semana havia sido a mais difícil de sua vida. A Sra. Granger, que costumava ser uma presença tranquilizadora na casa, havia sido chamada para ajudar uma prima em trabalho de parto. Quanto ao Sr. Granger, ele passava a maior parte do tempo nos campos, supervisionando a colheita e outros afazeres da herdade. Isso significava que Tabitha e Ethan estavam frequentemente sozinhos – algo que ela deveria temer, mas que, de algum modo, também ansiava. Naquele momento, um som interrompeu seus pensamentos. A porta do quarto abriu-se devagar, e ela estremeceu involuntariamente antes de levantar os olhos e encontrar Devereux no limiar do quarto. Ele parecia cansado, os ombros tensos e o olhar escurecido por pensamentos que ela não podia adivinhar, mas por um momento, os olhos dele suavizaram, e ela viu uma sombra de algo mais profundo – dor, desejo, frustração.Com um suspiro quase inaudível, ele entrou, dirigindo-se à lareira. O som do atiçador mexendo as brasas quebrou o silêncio tenso no aposento.
– Està acordada – comentou, lançando-lhe um olhar fugaz enquanto servia um pouco de conhaque no copo de cristal. – Tem frio? Tabitha hesitou, mas respondeu:
– Um pouco.
Ele assentiu e voltou a sentar-se junto à lareira, a luz tremeluzente dançando sobre suas feições angulosas. Tabitha sabia que havia algo mais a ser dito, algo que precisava desesperadamente sair de sua garganta. Respirou fundo, enchendo-se de coragem:
– Lord Devereux, nós precisamos conversar. Esta situação... não pode continuar.
Ele ergueu uma sobrancelha, seu rosto assumindo um ar ligeiramente zombeteiro, mas cansado.
– Ethan. Jà lhe disse para me chamar de Ethan. Somos "casados", afinal. Não convém que me trate como um estranho, Tabitha. Vai levantar suspeitas.
Ela não se deixou intimidar, mantendo o tom firme:
– Como preferir, Ethan. Mas sabe muito bem que não é disso que estou a falar. Refiro-me a esta... mentira, a esta farsa. Fingir que somos casados, dormir no mesmo quarto, manter aparências para os outros...
Ele recostou-se, esfregando o queixo com uma expressão que oscilava entre o aborrecimento e a contenção. Quando respondeu, sua voz era firme, mas controlada:
– Jà lhe expliquei por que estamos nesta situação. É necessàrio. Não gosto de me repetir, Tabitha.
Ela notou a tensão em suas palavras, a frustração que ele tentava mascarar. Mas isso apenas a deixou ainda mais determinada.
– Necessàrio ou não, não vi perigo algum nesta semana que justifique continuarmos com isso. A única ameaça que percebo aqui... é você.
A provocação não passou despercebida. Ele pousou o copo vazio com mais força do que pretendia, o som ecoando na sala. Seus olhos, escuros como tempestades, encontraram os dela. Por um momento, Tabitha pensou que ele a ignoraria, mas, em vez disso, levantou-se abruptamente e cruzou o espaço entre eles.
– Perigo? – repetiu, sua voz baixa e carregada de emoção. – Eu, que tenho me comportado como um maldito santo ao seu lado?