A névoa da manhã envolvia o porto de Plymouth, carregada do cheiro de sal e madeira molhada. O navio de Scorpio deslizava silenciosamente pelas àguas escuras, como um predador espreitando a sua presa. A embarcação pouco ou nada tinha sofrido com a forte tempestade e não tinha bandeira, Um segredo bem guardado entre os contrabandistas que a usavam para passar despercebidos nas costas vigiadas da Bretanha e da Inglaterra.
Scorpio observava o horizonte, a mandíbula tensa, os olhos frios e calculistas. Estava impaciente. Cada dia que passava sem encontrar Tabitha era uma afronta à sua reputação. Ele tinha lido o diàrio dela. Sabia que ela estava a caminho de casa do avô, o Conde de Devonshire. Um local cercado por campos vastos e isolados, perfeito para um caçador como ele.
O marinheiro responsàvel pela atracação do navio aproximou-se hesitante.
— Estamos em terra, monsieur. Tudo conforme ordenado.
Scorpio não respondeu imediatamente. Ele ajustou o punhal na cintura e puxou o capuz para cobrir o rosto. Finalmente, virou-se para o homem.
— O cavalo està pronto?
— Sim, monsieur. Um garanhão forte, como pediu.
Sem outra palavra, Scorpio desceu pela prancha, os passos firmes ecoando na madeira do cais. Um jovem cavalariço o aguardava com um animal impressionante, um cavalo negro como a meia-noite, com olhos que pareciam chamas vivas. Scorpio aproximou-se, passando a mão pelo pescoço do animal, sentindo os músculos firmes sob o pelo sedoso.
— Um puro-sangue? — perguntou ele, a voz baixa, mas com um tom que fez o rapaz engolir em seco.
— S-sim, senhor. Um dos melhores. Ele pode cruzar as colinas como o vento.
Scorpio sorriu, mas o gesto não chegou aos olhos. Montou com agilidade, ajustando as rédeas.
— Lembre-se de que nunca me viu, rapaz. — A ameaça estava implícita, o suficiente para fazer o cavalariço balançar a cabeça freneticamente.
Ele deu um leve toque com os calcanhares, e o cavalo partiu. O som dos cascos ecoando nas pedras do cais, enquanto Scorpio desaparecia na trilha que levava a Ipswitch.
O vento cortava como lâminas, levantando folhas secas e poeira. Scorpio mantinha o capuz baixo, protegendo o rosto, enquanto o cavalo troteava com a confiança de um animal bem treinado. A paisagem ao redor era um contraste gritante com a opulência de Paris: colinas verdes e vastos campos, interrompidos ocasionalmente por cercas de pedra e pequenos vilarejos que pareciam adormecidos sob o peso do tempo.
Ao passar por uma taberna na beira da estrada, Scorpio desacelerou. Observou com atenção os poucos viajantes que entravam e saíam. Não havia sinal de Tabitha ou de qualquer pessoa que pudesse reconhecê-la. Ainda assim, decidiu parar.
Dentro da taberna, o ar era quente e pesado, impregnado de cheiro de cerveja e fumo. Scorpio aproximou-se do balcão e lançou algumas moedas, atraindo o olhar curioso do taberneiro.
— Procuro informações sobre uma jovem que chegou recentemente de Saint-Malo, — disse Scorpio, sua voz baixa, mas carregada de uma autoridade que fez o taberneiro inclinar-se.
— Não sei nada, senhor, — respondeu o homem, desviando o olhar.
Scorpio inclinou-se, pegando uma faca pequena que mantinha presa no cinto e fincando-a na madeira do balcão.
— Talvez devesse pensar melhor.
O taberneiro empalideceu e balbuciou.
— Ouvi falar que o senhor Duque esperava a neta... Mas não sei mais nada, juro.
Scorpio puxou a faca, sorrindo ligeiramente. O suficiente para confirmar o medo no olhar do homem.
— Bom. É um começo.
Ele girou nos calcanhares, saindo com a determinação de um lobo que segue um rastro fresco. Tabitha não estava longe. E quando a encontrasse, pagaria por todas as dificuldades que ele enfrentara para chegar ali.
Nesse mesmo dia, um outro navio chegou ao porto, o Azure, embora severamente danificado, não se tinha afundado. A habilidade do Capitão Scott e da tripulação experiente manteve o navio à tona. Após horas a lutar contra a tempestade, o vento finalmente cedeu, e o céu clareou. Os marinheiros trabalharam incansavelmente para estabilizar a embarcação e garantir que ela pudesse continuar a navegar. Enquanto a tempestade rugiu em redor do Azure, os ventos uivantes e as ondas monstruosas transformaram o navio num campo de batalha contra a natureza. Amélie estava no convés inferior quando o caos começou. A àgua invadiu o espaço com força, arrastando barris e baús de um lado para o outro.
— Tabitha! — gritou Amélie, segurando-se em uma viga para evitar ser arrastada pela enxurrada que se formava. Mas sua protegida estava num outro lugar do navio, lutando pela própria vida. Quando uma onda colossal atingiu o casco, o impacto derrubou Amélie e deixou-a inconsciente por alguns momentos. Ela recobrou os sentidos ao sentir umas mãos fortes a puxà-la para cima. — Senhorita, segure-se! — gritou um dos marinheiros, ajudando-a a subir para o convés superior. Amélie, atordoada, olhou em redor e viu o caos absoluto. Os marinheiros tentavam segurar as velas rasgadas, e o capitão bradava ordens que mal podiam ser ouvidas acima do rugido da tempestade. Enquanto era conduzida para uma àrea mais segura, Amélie avistou Tabitha e Ethan no convés principal. Ela viu quando uma onda gigante os lançou ao mar, levando-os para longe do navio.