A véspera do anúncio oficial do casamento entre Ethan e Tabitha deveria ter sido tranquila, mas os amigos de Ethan insistiram em sair para festejar, afinal não era todos os dias que um solteirão convicto como ele se casava. Ethan aceitou o convite. Eles encontraram-se todos no clube que frequentavam em Londres onde brindaram à nova fase da sua vida. Ethan, no entanto, não se sentia confortàvel. O seu instinto estava alerta. Ele sentia uma sensação de frio pela espinha abaixo e aquela parecia-lhe errada, mas ele descartou-a como sendo ansiedade pelo casamento iminente. Depois de algumas rodadas, recusou mais bebidas e despediu-se.
— Jà fiz minha parte, senhores. Apreciem o resto da noite, que eu tenho algo muito importante à minha espera amanhã, — disse ele, deixando-os com risadas e cumprimentos.
Enquanto caminhava pelas ruas silenciosas em direção à sua casa em Mayfair, o vento gelado cortava o silêncio da noite. Ethan percebeu que não estava sozinho. Sem aviso, um som abafado veio de tràs. Ele tentou virar-se, mas algo duro atingiu-o na cabeça. O mundo desapareceu.
Quando voltou a si brevemente, ouviu vozes abafadas e sentiu as tàbuas de uma carruagem rangendo sob o seu corpo. Não conseguia ver, mas o cheiro de couro e ferro encheu as suas narinas. Lutou contra a inconsciência, mas a dor de cabeça era insuportàvel.
— É ele? — uma voz masculina perguntou.
— Sim, o próprio. Scorpio vai gostar de saber que conseguimos apanha-lo. — A segunda voz estava cheia de sarcasmo.
Ethan tentou mover-se, mas umas mãos fortes agarraram-no, e um novo golpe levou-o de volta para a escuridão.
A cabeça de Ethan latejava como se martelos ecoassem dentro de si. A superfície dura onde estava deitado e o ondular incessante indicavam que estava num navio. O cheiro a maresia e a madeira húmida misturado com o suor humano confirmava a sua suspeita. Mas antes que pudesse processar mais alguma coisa, uma voz solícita irrompeu.
— Como està, amigo? — perguntou um homem de meia idade, com um tom de falsa tranquilidade. — Esteve inconsciente quase dois dias, sabia?
Ethan tentou bloquear a luz fraca que vinha de uma pequena abertura acima de si, colocando o braço sobre os olhos. Um súbito enjoo invadiu-o, mas o desconforto era menor do que o pânico crescente que se instalava na sua mente. Havia alguma coisa errada, terrivelmente errada. Com um grito rouco, ele sentou-se abruptamente.
— Tabitha! — a palavra escapou dos seus làbios, a sua voz ecoando no porão abafado.
O homem ao lado dele colocou uma mão no seu ombro, tentando acalma-lo.
— Calma, amigo. Està seguro... por enquanto.
Ethan abriu os olhos, ainda tentando ajustar-se à escuridão opressiva e ao movimento oscilante do navio. Ele viu que haviam mais homens espalhados pelo espaço, sentados ou deitados, todos acorrentados. Alguns tinham expressões abatidas, enquanto outros pareciam endurecidos, tendo jà aceitado o seu destino. O seu olhar voltou-se para o homem que falara com ele. Era um sujeito magro, com cabelos grisalhos e uma cicatriz que marcava a sua bochecha esquerda.
— Quem é você? — perguntou Ethan, a voz ainda rouca. — E onde diabos estou?
O homem deu um sorriso torto, sem humor.
— Eu sou Blake Williams, antigo capitão da marinha de Sua Majestade, pelo que vale agora. E quanto ao onde... estamos num navio de transporte ilegal de escravos e prisioneiros. Parece que alguém decidiu que você e eu éramos bons candidatos para uma viagem às Américas.
Ethan piscou, tentando absorver o que ouvia.
— Isso é impossível, — disse ele, apertando as têmporas. — Sou um lorde. Alguém vai notar que desapareci.
Blake riu baixinho.
— Oh, eles sabem. Mas isso não significa que alguém và fazer algo a tempo. Este não é o tipo de viagem de onde se volta facilmente, amigo. — Ele fez uma pausa, o tom a tornar-se mais sombrio. — A menos que consigamos tomar as rédeas da situação. Ethan fixou o olhar em Blake e sentiu uma onda de nàusea a percorre-lo, mas não era devido ao balanço do navio. Ele lembrou-se vagamente da noite de sua captura — a sombra de um capuz, o golpe na cabeça. E agora estava aqui, acorrentado, longe de tudo e todos que importavam, especialmente de Tabitha. O pensamento de que ela pudesse estar em perigo enquanto ele estava preso em alto-mar consumia-o.
— Tenho que sair daqui, — disse ele, olhando em redor, à procura de alguma coisa que pudesse usar como arma. — Não posso perder tempo. Hà algo... alguém... à minha espera.
Blake inclinou-se e baixou a voz.
— Você não é o único que tem algo a perder. Todos aqui têm um motivo para lutar. Mas se você estiver disposto a tentar..., vai precisar de aliados e sorte.
Ethan olhou em volta novamente. Os outros homens pareciam ouvir a conversa com um misto de esperança e ceticismo. Era um grupo heterogêneo — soldados, marinheiros e até mesmo alguns nobres caídos em desgraça.
— Estamos juntos, então, — respondeu Ethan, a determinação no seu tom. — Vamos sair daqui.
Blake assentiu, com uma expressão de satisfação.
— Ótimo. Então temos de observar e ver como é o turno dos guardas, os horàrios das refeições e as fraquezas no convés. Estes homens que nos mantêm aqui não são invencíveis, e o mar é traiçoeiro. Se jogarmos bem, podemos virar o jogo.