Mais tarde, nessa mesma noite, a mansão do Conde de Devonshire estava envolta em silêncio. Os criados tinham-se retirado, deixando apenas algumas velas acesas nos corredores. O Conde, sentado no seu escritório, revia um livro de contas à luz de uma lamparina. A sua expressão era calma, mas seus olhos traíam um cansaço profundo. No entanto, ele não estava sozinho. Nas sombras do corredor, Scorpio movia-se silenciosamente. Ele sabia o que procurava — os documentos que Tabita encontrara. Ao chegar à porta do escritório, ele parou, ouvindo atentamente o som das pàginas a serem viradas. Sorrindo levemente, empurrou a porta com delicadeza, a madeira rangendo suavemente. O Conde ergueu os olhos, franzindo o cenho ao ver a figura escura de Scorpio à entrada.
— Quem é você? — perguntou ele, levantando-se lentamente. A sua voz era firme, mas havia um traço de incredulidade.
Scorpio deu alguns passos em frente, mostrando o rosto sob a luz oscilante da lamparina.
— Alguém que não deveria ter sido subestimado, My Lord. Estou aqui apenas levar algo que me pertence.
O Conde empalideceu ligeiramente, mas manteve a sua postura. Ele reconhecia o homem. Os rumores sobre ele circulavam hà jà algum tempo nos círculos mais elevados, e agora ele entendia que o perigo estivera sempre diante dele.
— Como ousa profanar a minha casa? — rugiu o Conde, erguendo-se da sua cadeira.
Scorpio mostrou um sorriso frio e calculista.
— A sua casa? Oh, My Lord, em breve não serà mais sua. — Nisto ele tirou um punhal brilhante da sua cintura. — Por favor, não complique as coisas.
O Conde não recuou. Num movimento ràpido, ele agarrou num pesado atiçador da lareira e avançou. O som de metal contra metal ecoou pelo escritório enquanto o Conde bloqueava um golpe do punhal com o atiçador. Apesar da sua idade avançada, ele lutava com vigor, tentando desarmar o seu oponente. No entanto, a diferença de idade, força e habilidade era evidente.
— Você é mais resistente do que eu esperava, My Lord, — zombou Scorpio, desviando um golpe. — Mas não o suficiente.
Com um movimento ràpido, ele desarmou o Conde, atirando o atiçador para longe. Antes que o Conde pudesse reagir, empurrou-o contra uma mesa, derrubando-a e ao que estava em cima dela. Garrafas e copos de cristal caíram ao chão estilhaçando-se. O Conde, agora sem defesa, olhou diretamente para os olhos do seu agressor.
— Você pode matar-me, mas não vencerà. — disse ele, com a voz firme.
Scorpio inclinou a cabeça, quase que num gesto de respeito.
— Veremos.
Com um único golpe, ele enfiou o punhal no peito do Conde. O velho homem arquejou, a sua mão tentando alcançar a arma enquanto caía ao chão. Sem remorso, Scorpio limpou a lâmina com um lenço, os olhos fixos na arma enquanto a limpava do sangue. Dirigiu-se em silêncio para a porta, com a intenção de seguir até o quarto de Tabitha, mas então ouviu passos ràpidos na escadaria. Amelie ainda estava acordada, e o som do movimento fê-la levantar-se da cadeira na saleta onde estava a ler um livro, decidida a ir verificar se o Conde precisava de alguma coisa. Frustrado, Scorpio parou a meio do caminho. Ouviu os passos dela aproximando-se, e o instinto fê-lo voltar para tràs, fugindo sem hesitar pela janela da biblioteca. Là fora, ainda conseguiu ouvir o grito de Amelie quando entrou no escritório e se deparou com o corpo do Conde. A notícia espalhou-se rapidamente, ganhando força e alcançando Londres antes do meio-dia. Tabitha, que estava na cidade, recebeu a notícia enquanto ainda se recuperava do violento confronto com Eddington. A noticia chegou-lhe como um golpe inesperado. Quando o criado lhe levou a missiva que a informava, ela ficou imóvel, as suas mãos a tremerem ao ponto de deixar a carta cair no chão.
— O meu avô... morto? — murmurou ela, a voz a tremer.
Tabitha fechou os olhos por um momento, tentando conter a dor que parecia esmagà-la.
— Preciso ir para Ipswich, — disse — Preciso me despedir dele.
O funeral foi uma cerimônia discreta, mas solene. A pequena igreja em Ipswich estava repleta de amigos e conhecidos do Conde, todos foram prestar os seus respeitos a um homem que fora não apenas um pilar da sociedade, mas também um protetor da comunidade. Tabitha manteve-se firme ao lado do caixão, os olhos vermelhos, mas secos. Ethan estava ao fundo, observando-a, mas sabia que aquele momento era dela. Após o funeral, o advogado da família conduziu a leitura do testamento na mansão, agora marcada pelo peso da tragédia. No escritório onde o Conde tinha perdido a vida, o advogado abriu o testamento diante de Tabitha e dos poucos presentes.
— "À minha neta, Tabitha De Lyons, deixo todas as minhas propriedades, fortuna e títulos. Que ela possa usà-los com sabedoria e força para continuar o legado da nossa família." Tabitha respirou fundo, sentindo o peso das palavras. Ela agora era uma das mulheres mais poderosas de Londres, mas o preço fora alto demais. Ethan aproximou-se dela após a leitura abraçando-a.
— Tabitha, sinto muito pela sua perda. Mas agora, mais do que nunca, você tem que ser forte.
Ela assentiu, virando-se para ele com olhos determinados.
— Scorpio roubou-me tudo, Ethan. E eu não vou descansar até que ele pague por isso.
***