Londres, no dia seguinte
A manhã estava envolta em neblina. Drake Wolveston saiu de casa logo após o amanhecer. Seu casaco escuro o protegia do frio, e seu olhar atento era defesa suficiente. Ele carregava apenas uma bolsa discreta — e uma lista mental do que precisava para que sua casa parasse de parecer um mausoléu.
Ele estava indo para uma rua de Mayfair conhecida por seus móveis e antiquários. Precisava de cadeiras, uma mesa decente e estantes. A casa em Park Lane estava tão vazia quanto fria, e embora não tivesse pressa em transformá-la em um lar, precisava de um lugar onde pudesse trabalhar, escrever e pensar. Não confiava seu gosto ou escolha a criados ingleses, nem se contentava com o que estava na moda. Preferia encontrar por si mesmo.
Ele caminhava com firmeza, atento às placas: "Marceneiros Confiáveis", "Importadores de Peças Orientais", "Lojas de Antiguidades com Crédito Duvidoso". Parou em frente a uma discreta placa de madeira escura que dizia: "Hollingsworth & Sons - Móveis Sob Medida".
Ele estava prestes a atravessar a rua quando um som violento o fez parar. O estalo de uma roda quebrada. Um baque surdo. Drake se virou. Uma carruagem capotada bloqueava parte da rua. A roda traseira direita havia quebrado, e papéis, livros, pedaços de tecido e um chapéu de aba vergonhosamente amassado caíram pela porta entreaberta.
No meio do caos, um homem elegantemente vestido tentava sair, agitando os braços em sinal de indignação:
— Maldita cidade! Maldito cocheiro! Maldito o dia em que achei sensato acordar cedo!
Ao seu lado, um criado perturbado — com uma sobrecasaca imaculada e uma expressão de pânico — tentava libertá-lo, sacudindo seu casaco, ajeitando sua gravata e limpando suas botas com um lenço molhado.
—Vossa Graça, o pescoço... permita-me apenas...
"Ah, Lewis, pelo amor de Deus, me solta!", berrou o homem, tentando se livrar das mãos do criado enquanto desequilibrava um joelho. "Vá ajudar o Smith com a roda antes que o pobre coitado se jogue no Tâmisa de vergonha. Não preciso de consertos. Preciso de conhaque!"
Smith, o cocheiro, já estava de joelhos no chão, tentando recolocar a roda.
Drake se aproximou, mais curioso do que preocupado.
"Você está machucado?" ele perguntou.
"Só por orgulho", respondeu o homem, endireitando-se com dificuldade enquanto sacudia um globo das pernas. "Quase fui esmagado por este monumento à geografia morta. Imagine o escândalo nos jornais: 'Duque de Wexley assassinado por representação esférica do mundo civilizado'. Este é o quarto desastre esta semana. E eu sou um duque, veja bem! DUQUE!"
—Você estava carregando um balão?
—Um globo terrestre, uma pintura de Van Loo e um espelho herdados de uma bisavó que afirmava ter conhecido Maria Antonieta. Tudo por uma casa que ainda não decidi se vendo ou se transformo em um templo pessoal de decadência.
“Os deuses devem tê-lo confundido com outra pessoa”, murmurou Drake.
"Henry D'Arcy St. John, 10º Duque de Wexley", anunciou o homem, estendendo a mão. "E você é?"
—Drake Wolveston, capitão do Lótus Sangrento.
—Então ele me salvou, apesar de ser assustador. Ele está destinado a ser meu amigo.
Drake levantou uma sobrancelha.
—Existe um número mínimo de acidentes para isso?
— Pelo menos duas vezes por semana. Vamos. Preciso de um conhaque antes que eu enlouqueça. Vou levá-lo para o meu clube. Vamos a pé. O Winter's Club não fica longe, e talvez o ar fresco me devolva um pouco de juízo.
Drake assentiu, curioso sobre o rumo que a manhã estava tomando.
"E a carruagem?" ele perguntou, olhando para a bagunça.
"Ah, sim." Henry virou-se para o cocheiro. "Smith, providencie que isso seja resolvido. Quando terminar, leve tudo para casa e mande outra carruagem me buscar no clube. E diga ao cozinheiro que nunca mais quero ver mingau no meu prato, ou serei forçado a lutar com ele em um duelo."
O cocheiro assentiu, sem saber se ria ou chorava.
Os dois homens continuaram pela calçada, lado a lado. Henry mantinha um passo rápido e fluido, como se estivesse imune ao caos deixado para trás. Os transeuntes discretamente — ou nem tanto — se viravam para observar a dupla improvável: um duque com uma postura encolhida e um estranho com ares de pirata civilizado.
"O problema desta cidade", disse Henry, brandindo a bengala como se estivesse pregando para uma plateia imaginária, "é que todos fingem se importar com as regras. Mas, no fundo, eles só querem uma boa discussão. E eu sou generoso com isso."
“Generoso, de fato”, Drake murmurou.
"Não me agradeça ainda. Espere até ver a carta de vinhos do Winter's." Henry fez uma pausa, observando o companheiro com o canto do olho. "Aposto que metade dos idiotas lá dentro vai espumar pela boca só de ver isso. A outra metade vai jurar que estou envolvido em sociedades secretas no Leste."
—E isso é bom ou ruim?
— Na verdade, é excelente. Desde que herdei o título, há alguns meses, não tenho tido um momento de paz — as mães jogam as filhas para mim como se eu fosse um troféu de caça. Se me virem com você, talvez pensem duas vezes... tempo suficiente para me dar tempo de respirar.
Poucos minutos depois, chegaram à frente do clube. Um edifício imponente com colunas brancas e portas de madeira entalhada. Na entrada, estavam dois funcionários vestidos com sobrecasacas pretas e luvas brancas.
Drake parou e olhou para a fachada imponente.
"Vamos lá", disse Henry. "A única coisa com que teremos que lidar aqui... é mau gosto."
Drake o seguiu. Ele não passou despercebido. O casaco escuro, a postura altiva, a pele marcada pelo sol, a ausência de qualquer insígnia familiar. Um dos funcionários franziu a testa. O outro deu um passo à frente, pronto para bloquear sua passagem.
—Com licença, senhor, mas este clube é reservado para cavalheiros…
"E ele está comigo", interrompeu o Duque, com um sorriso lânguido.