Capítulo 2: A Greve dos motoboys
O dia começou estranho na Pastel & Glória.
O rádio só tocava Sandy & Junior versão acústica, o óleo demorou pra esquentar, e Arlindo derrubou a primeira leva de recheio — direto na tampa do ralo.
Mas o pior ainda estava por vir.
Às 11h32 da manhã, quando pegou o celular para abrir o app de entregas, lá estava a mensagem:
> “TODOS OS MOTOBRUXOS ESTÃO EM GREVE.”
Era oficial.
A Greve dos Motoboys havia começado.
Mas não era uma greve qualquer. Era A greve: organizada, raivosa, barulhenta.
Motoboys paravam entregadores nas ruas, exigindo respeito, direitos e marmitas quentinhas.
E se pegassem alguém furando o bloqueio?
Eles destruíam o lanche.
Pastéis, hambúrgueres, sushi, até marmita fitness. Nada escapava.
A cidade mergulhava no caos alimentar.
Arlindo suava. O avental, já encharcado de gordura, agora exalava desespero.
A pastelaria estava lotada de pedidos: – Combo Duplo da Vó Maria com extra de queijo,
– Pastel de Doce de Leite Crocante,
– E o lendário Pastel de Feijoada, pedido por apenas três pessoas no mundo (duas da mesma família).
Tentou de tudo:
Ligou para o sobrinho Juninho, que tem uma bicicleta. A corrente quebrou.
Tentou um Uber. Desistiu ao ver o preço do “Uber Pastel Prime”.
Considerou pombo-correio. Mas o único pombo por perto parecia mais interessado em roubar presunto.
Clientes ameaçavam cancelar. Uma senhora gritou ao telefone:
> “Se meu pastel não chegar em 10 minutos, vou comer a sola do chinelo!”
Foi no meio desse colapso que ele lembrou de Jair, seu outro sobrinho.
Autônomo. Aventureiro. Dono de uma Pop 100 vermelha que fazia mais barulho que trator em marcha ré.
Ligou:
— "Jair! Tu ainda tem aquela motinha barulhenta?"
— "A Pop 100? Claro, tio. Ela ronca mais que vó assistindo novela!"
— "Preciso de ti. Mas tem um detalhe... Vai ter que fazer umas entregas secretas."
Silêncio.
— "Se você me der aquele pastel de queijo com bacon, eu topo."
Minutos depois, Jair chegou. Boné virado pra trás. Pop 100 roncando na calçada.
Mas ainda restava o problema:
Como entregar sem ser pego pelos motoboys grevistas e ter o pastel estraçalhado em praça pública?
Foi então que Arlindo olhou para os fundos da pastelaria…
E viu as velhas mochilas de galão d’água.
Sobras de uma tentativa fracassada de vender “Água gourmet com gás do Himalaia” no verão passado.
Seus olhos brilharam como estrelas nascentes sobre um céu de óleo quente.
> “E se... a gente usar isso pra disfarçar os pastéis?”
Jair arregalou os olhos:
— “Tio... o senhor é um gênio. Um gênio do mal. Mas ainda assim, um gênio!”
Arlindo limpou as mochilas, forrou com panos de prato, colocou isopor.
Os pastéis cabiam perfeitamente.
Colou etiquetas falsas com canetinha:
> “ÁGUA POTÁVEL – NÃO AGITE!”
Agora, os entregadores da Pastel & Glória se tornaram entregadores de galão.
Uniformes azuis. Mochilas nas costas. Pop 100 na pista.
Funcionou.
Os clientes começaram a receber seus pedidos em paz.
Ninguém desconfiava.
Exceto uma senhora que, achando ser água, e acabou brigando achan do que haviam entregado errado.
Mas a vitória foi curta.
Enquanto Jair fazia a terceira entrega, a Pop 100 bufando na ladeira da Vila Esperança...
Uma figura observava tudo de dentro de um carro preto. Óculos escuros. Prancheta na mão.
A Inspetora Berenice.
Ela sabia que algo ali cheirava... bem demais.