Capítulo 7 – Duelo no Pastel Oeste
O sol ainda subia devagar, pintando de laranja o céu empoeirado daquele bairro sem nome, entre o céu e o inferno. O calor já prometia fritar até pastel cru na calçada. Arlindo, com o pano de prato no ombro e o olhar semicerrado de quem já viveu muitas frituras, tomou o primeiro gole do seu café preto quando ouviu...
O ronco de uma Combe.
Ela parou bem em frente à sua pastelaria.
Pneus chiando. Pó levantando. E em letras garrafais, na lateral:
"DOGÃO EXPRESS – O sabor que te persegue."
A porta abriu e desceu dele um homem de boné para trás, camisa florida, e um bigodinho afiado como lâmina de pastel queimado.
Arlindo franziu o cenho. O pano caiu do ombro.
— Hora, hora... — disse ele, caminhando até o meio da rua, como um pistoleiro indo pro duelo. — Você vai mesmo abrir isso aí em frente à minha pastelaria?
O forasteiro respondeu, sem perder o sorriso debochado:
— Mas é claro. Esse lugar ficou famoso demais pra eu ignorar. Vim trazer comida de verdade pro povo.
Arlindo cuspiu no chão (no cantinho, porque ele era limpo).
— Comida de verdade? Hahaha... — seu riso foi seco e gelado. — Eu sou o pastel mais rápido e mais gostoso da região. Acha que pode competir com isso, cowboy de ketchup?
O homem olhou nos olhos de Arlindo, tirou o molho barbecue do bolso e disse:
— Eu sou como a sorte, amigo... vou onde as pessoas precisam de mim. E se estou aqui... talvez seu pastel não seja tudo isso.
Arlindo virou de costas, caminhou até sua frigideira borbulhante e respondeu sem olhar pra trás:
— Você já falou demais. Eu não gosto de falar sobre meu trabalho... gosto de mostrá-lo.
E assim começou o duelo.
Durante todo o dia, foi uma batalha suada e crocante.
De um lado, Arlindo lançava seu combo letal:
Pastel de carne seca com queijo coalho + caldo de cana com limão.
Do outro, o forasteiro servia dogão prensado com três salsichas, batata palha e vinagrete da vovó.
— “Mestre Arlindo, o senhor tá perdendo terreno na esquina!”
— “Não importa quem come primeiro... importa quem volta pra comer de novo!”
Zoraide empunhava a espátula como se fosse uma adaga.
Dudu gritava: "CLIENTE NA MESA 3! RECARREGA O MOLHO!"
O bairro inteiro parou pra assistir. O confronto era digno de filme de bang-bang, só que com farinha, cheddar e muito vinagre.
Fim do dia.
O sol caiu como um pano de fundo em chamas.
A rua estava cheia de guardanapos sujos, copos plásticos e barrigas cheias.
Arlindo limpava a bancada quando ouviu o ranger dos passos do forasteiro.
O homem ainda mascava um último pedaço do próprio dogão, suado, derrotado... mas de pé.
— Creio que não irá se retirar, não é mesmo, estrangeiro? — disse Arlindo, estalando os dedos cheios de farinha.
O vendedor sorriu e respondeu:
— Bem... pelo que me parece... há espaço pra mim aqui, senhor Arlindo.
Arlindo apertou os olhos:
— Diz isso mesmo depois de sua derrota? É muita audácia...
— Derrota? Talvez. Mas cada mordida foi uma guerra. E enquanto houver fome... eu estarei aqui.
Um silêncio pairou.
Então Arlindo jogou um pano de prato no ombro e disse:
— Só não tente me copiar, estrangeiro. Essa cidade só aguenta um pastel supremo.
E voltou pra cozinha com a postura de quem sabe que venceu. Mas no fundo... bem lá no fundo... até que o vinagrete da vovó era bom.
Arlindo encerrou o expediente como sempre fazia: limpando o balcão com o pano de estimação, apagando as luzes da cozinha e conferindo os trocados do caixa. Às 22h em ponto, a “Pastel & Glória” baixava as portas como um velho teatro que encerrava seu espetáculo.
Mas, naquela noite...
A combe do forasteiro continuava aberta.
Luzes acesas. Grelhas estalando.
O cheiro de salsicha com molho barbecue ainda cortava o ar da noite como provocação.
No dia seguinte, com o sol ainda escondido atrás dos prédios, Arlindo acordou mais cedo que o normal.
Pegou sua velha garrafa térmica, dois copos americanos riscados pelo tempo, e foi até a combe.
Caminhava como um xerife que sai cedo para garantir a ordem em sua cidade.
Chegando lá, parou diante do rival e disse, com a voz firme:
— Então, amigo... qual o seu nome?
Robson, ainda ajeitando as coisas na combe, virou-se com surpresa. Arlindo já servia o café nos copos como quem faz uma trégua de guerra.
— Robson, senhor Arlindo. — respondeu, aceitando o copo com respeito.
Arlindo sorriu com um canto da boca:
— Bem... parece que minha fama me precede. Nem precisei me apresentar.
Robson riu, tímido.
— Desculpe pela hostilidade do outro dia... sabe como é a vida aqui no Rio. Difícil. Competitiva. Não queria ser rude, mas... isso faz parte da minha personalidade.
— Não se culpe por isso, — disse Arlindo, tomando um gole — afinal, você parece ser jovem ainda.
Robson olhou pro chão e suspirou:
— A vida não foi muito generosa comigo. Apesar de ser formado em engenharia, essa combe foi tudo que consegui comprar com a rescisão do meu último emprego. Tô tentando recomeçar... tenho só 28 anos, haha.
Arlindo levantou as sobrancelhas e sorriu:
— Quase um garoto... haha. Eu tenho 42.
E naquele momento, ainda antes do sol nascer, quando o mundo parecia suspenso no silêncio do amanhecer, dois homens que eram rivais até o dia anterior passaram a dividir um café quente e, talvez, o início de uma amizade.
Concorrentes, sim.
Mas agora, com respeito.
Como pistoleiros que trocam tiros num dia e cervejas no outro.
Claro! Aqui está a continuação do capítulo com tudo que você pediu: a história de Robson contada num tom natural e envolvente, com comentários de Arlindo, goles de café e fumaça de cigarro no ar — bem no estilo cena de madrugada entre dois camaradas que começam a se entender.