Capítulo 11 – Aproveitando o Sábado à Noite
O céu já vestia seu manto azul-escuro quando Arlindo girou a plaquinha da porta para “Fechado”. Lá dentro, a luz amarelada ainda deixava o ambiente aconchegante. O cheiro dos últimos pastéis pairava no ar, misturado ao calor do dia e às gargalhadas que ecoavam da pequena pastelaria.
Emiliano corria de um lado pro outro com sua espada de brinquedo, distribuindo “ordens de patrulha” para clientes imaginários, enquanto todos o observavam com aquele sorriso meio cansado, meio encantado.
— Posso dormir na casa da tia Zoraide? — perguntou Emiliano, ofegante, olhando para Arlindo com os olhos brilhando. — O Dudu disse que vai me mostrar como passar a fase do castelo!
Arlindo não hesitou. Deu uma risada gostosa, colocou a mão no ombro do filho e respondeu:
— Claro que pode, meu generalzinho! Mas ó… sem invadir a geladeira dela sem permissão, hein?
Emiliano soltou um “Yes!” triunfante e saiu correndo, gritando pela mãe de Dudu.
Com o salão mais vazio e o coração mais leve, Arlindo puxou uma das mesas para o centro. Era quase um ritual: a tradicional “resenha de sábado à noite” no Pastel e Glória. Nada muito planejado, apenas uma garrafa de 51, limões cortados com faca cega, pão amanhecido com mortadela e uma roda de amigos.
— Vamos lá, família! — disse Arlindo, levantando a garrafa como um troféu. — Hoje é dia de comemorar o que importa: a saúde, a amizade… e claro, a fritura bem feita!
Yasmin, que até então ficava mais na dela, se permitiu relaxar. Tirou os sapatos, subiu os pés numa cadeira e sorriu ao ver o pai tão animado. Robson estava ao lado de Ermes, que tentava convencer Nicolas de que sabia embaralhar cartas melhor do que qualquer um na cidade.
— Isso aí é trapaça! — reclamava Nicolas. — Esse baralho tá marcado, certeza!
— Marcado tá meu fígado com essa pinga vagabunda — retrucou Ermes, arrancando gargalhadas da roda.
Arlindo servia as doses com generosidade. Para ele, cachaça boa era aquela que unia as pessoas, não aquela que vinha em garrafa chique. Espremeu limão nos copos, rasgou o pão com as mãos e passou fatias de mortadela como se fossem iguarias italianas.
— Isso aqui, meus amigos — disse ele, com a voz já mais solta —, é a verdadeira riqueza. Rir, comer e saber que a gente tá cercado de quem importa.
Robson observava tudo com uma pontinha de inveja boa. Aquele calor humano, aquela forma simples e intensa de viver… era algo que ele não via há muito tempo. E Yasmin, mesmo com seus olhares críticos, se permitia rir. Ria das piadas ruins, das cartas caindo no chão, dos brindes exagerados.
A conversa variava entre lembranças de infância, causos de botequim, e até debates acalorados sobre futebol — onde, claro, ninguém concordava com ninguém.
Em um momento mais tranquilo, Arlindo olhou em volta e disse, com aquele brilho no olhar:
— Sabe o que eu mais gosto disso tudo? É saber que, mesmo se tudo der errado amanhã, hoje a gente foi feliz.
Yasmin cruzou os braços e respondeu, com uma ironia carinhosa:
— Poético demais pra quem usa chinelo com meia, hein pai?
Todos riram.
E ali, no coração de um bairro qualquer, numa noite comum de sábado, cinco pessoas tão diferentes entre si riram como velhos amigos. Era simples, era verdadeiro, era raro. E no fundo, cada um sabia que aquele momento ficaria guardado. Porque não era sobre cartas, nem cachaça, nem pão com mortadela.
Era sobre pertencimento.
Claro! Aqui vai a continuação no mesmo tom leve e engraçado, com aquele jeitão de conversa de boteco:
Ermes bateu com a palma da mão na mesa, animado.
— Ô Arlindo, falando em chinelo com meia… tu lembra do Paulão da borracharia? Aquele que casou com a prima e jurava que era coincidência?
— Coincidência é a cerveja dele acabar sempre que a conta chega! — disse Nicolas, já abrindo um sorriso torto.
— Aquele era figura… — emendou Arlindo, rindo. — Uma vez me pediu um pastel fiado e disse que ia pagar com um “abraço de irmão”. Tô esperando esse pagamento até hoje.
— Melhor do que o Genival — disse Robson, entrando no ritmo. — Que trocou o carro por um som automotivo. A casa caiu quando percebeu que tinha onde colocar a caixa, mas não tinha como ir trabalhar.
— Brasileiro é um bicho criativo! — comentou Yasmin, rindo. — Se a gente investisse em ciência o tanto que investe em dar nó em conta de luz…
— Já tinham achado cura pra ressaca, inclusive! — gritou Ermes, levantando o copo. — Brindemos a essa pesquisa que ainda vai mudar o mundo!
— Pesquisa? — disse Arlindo, piscando um olho. — Aqui é laboratório, fio. Toma mais um gole e me diz se tu não acorda amanhã falando latim!
Todos gargalharam de novo.
A noite avançava sem pressa. A cachaça queimava a garganta, mas esquentava o coração. O baralho rodava de mão em mão, embora ninguém realmente soubesse quem tava ganhando — ou sequer lembrasse das regras.
— Essa é a vida, moçada — disse Ermes, com a voz já arrastada. — Mortadela, baralho, e um copo na mão. O resto é boletim de ocorrência.
Robson virou-se para Yasmin, meio sorrindo, meio zonzo:
— Isso aqui... isso aqui devia virar patrimônio da humanidade.
— Isso aqui devia era virar meme, isso sim — respondeu ela, já com os olhos marejando de tanto rir.
Arlindo apontou pra filha com o copo erguido:
— Essa é minha cria. Cheia de juízo, mas com o coração do tamanho do mundo. Se um dia eu cair duro no chão, já deixei avisado: crema e joga as cinzas na fritadeira. Quero virar pastel de vento.
— Você já é, pai. Só fala, não pesa nada! — provocou Yasmin, piscando pra ele.
Entre mais uma rodada de cachaça, uma mordida no pão seco e uma acusação falsa de roubo de carta, a noite foi se esvaindo em risos, histórias e uma cumplicidade que não precisava de grandes palavras. Apenas daquelas pequenas coisas que fazem a vida valer a pena.