Capítulo 15 — "Pastel e sushi"
Mais uma manhã quebrando o silêncio com o barulhinho do rádio.
Arlindo, ainda de pijama e meias furadas, fazia seu tradicional alongamento matinal — que mais parecia um ritual de dança improvisada misturado com espreguiço de preguiçoso.
No rádio, "Namoradinha de um amigo meu" embalava o ambiente, enquanto ele olhava para a moldura com a foto de Yasmin e Emiliano. Suspirou.
— Esses meninos vão me matar de saudade ainda...
Fez um carinho na moldura como se fosse um bichinho de estimação e seguiu seu caminho até a cozinha.
Tudo indicava que o dia seria normal. Pastéis sendo preparados, Zoraide reclamando com Robson por ter esquecido a salsinha de novo, Nicolas tentando entender onde ficava a farinha e Ermes perguntando pela décima vez se pastel doce frita igual ao salgado.
Até que... a porta da pastelaria escancarou-se num estouro dramático.
— ARLINDOOOOO! — berrou Jurandir, dono do restaurante de comida japonesa da rua de baixo, suando mais que tampa de panela de cuscus.
— Jurandir? Tá pegando fogo no teu restaurante?
— Acabou o gás! Justo hoje, Arlindo! Hoje tem festival do temaki gigante, e eu tô com 30 clientes esperando sushi que parece travesseiro!
Arlindo, sem perder a compostura (nem o copinho de café), deu um sorriso maroto:
— E eu com o óleo quente aqui... mas vambora, né? hoje eu te ajudo amanhã quem ajuda sou eu hahaha.
Pegaram um botijão nos fundos da pastelaria, levaram até o restaurante e, entre piadas e confusões com o carrinho de mão que insistia em virar de lado, resolveram o problema.
No caminho de volta, Jurandir ainda prometeu:
— Se um dia tiver um restaurante chamado Pastel & Sushi, vai ter tua cara na parede.
— Eu prefiro minha cara na caixa registradora. — respondeu Arlindo, rindo.
Na pastelaria, a vida seguia seu ritmo: farinha no chão, risadas no ar e o som da fritadeira funcionando como trilha sonora.
Mas o que Arlindo não sabia... é que alguém muito especial tinha passado pela pastelaria recentemente: um blogueiro gringo de culinária que fez um vídeo sobre "o melhor pastel do mundo".
O vídeo viralizou.
Na internet, comentários pipocavam:
> “Best crispy food I had in Rio!”
“Grandpa Arlindo is a legend!”
“Pastel e Glória needs a franchise in New York!”
Enquanto isso, Arlindo, sem nem imaginar a fama, assistia a um programa culinário na TV.
— Isso aí é coxinha? Isso é heresia. Isso aí é um brigadeiro com frango!
Apontava com indignação para a tela, mastigando o próprio pastel.
Zoraide, limpando o balcão:
— Tá famoso e nem sabe, hein?
Robson, com o celular na mão:
— Olha aqui, seu Arlindo! Tão vendendo camiseta com sua cara que diz: “Café, óleo e Glória!”
Arlindo riu, se abanando com a tampa da panela.
— Eu só quero o café quente, o óleo limpo e a Glória que é a Zoraide me deixando fritar em paz!
Risadas preencheram o espaço, mais altas que o chiado da frigideira.
E enquanto ele mordia mais um pastel de carne com queijo (que ele jurava ser melhor que o de qualquer outro lugar), jurandir que estava sentado a mesa murmurou:
— Pastel e Glória... já pensou uma unidade em Tóquio?
Ermes entrou na conversa:
— Só se for Pasutero to Eikou! em japonês.
O sol já estava começando a se despedir do céu quando Arlindo, com ares de domador de cartas, puxou um baralho meio torto da gaveta da pastelaria.
— Vamos ver se hoje a sorte tá no ponto, igual o cafezinho da Zoraide!
Sentou-se à mesa redonda do fundo da pastelaria, onde o oleo e a farinha já fazia parte da mobília. Jurandir, com sua barriga de chope bem posicionada sobre o cinto, chegou devagar, carregando duas garrafinhas de suco e um saco de amendoim como se fosse ouro.
— Se perder, eu vou dizer que foi porque a carta tava com óleo. Já tô avisando.
— Isso aqui é óleo de tradição, Jurandir! Dá até sabor na jogada! — respondeu Arlindo, embaralhando como se estivesse em Las Vegas de chinelo e camisa regata.
Logo Zoraide apareceu e, sem dizer uma palavra, pegou uma cadeira e sentou com aquele olhar de quem já sabe que vai ganhar.
— Ihhh... lá vem a jogadora profissional. Se eu tirar ela no truco, é igual a fritadeira: só para quando o gás acaba. — cochichou Arlindo para Jurandir.
A partida de cacheta começou, e as cartas voavam mais que pipoca em panela de pressão. Em meio a uma jogada, Arlindo olhou para Jurandir e perguntou:
— E a família, meu velho? Como vai o clã dos sashimis?
Jurandir, ajeitando o boné que usava desde 1998:
— Rapaz... complicado. A mais velha tá terminando doutorado em medicina... quer operar gente abrir os outros, misericórdia.
— Vixe! Eu mal consigo abrir um pastel sem fazer bagunça, imagina abrir uma pessoa! — Arlindo arregalou os olhos.
— A caçula terminou a escola. Tá escolhendo faculdade... só que parece que tá escolhendo um planeta novo. Cada dia quer uma coisa. E a Kioku...
Arlindo — Ah, tua esposa japonesa linda!
— A melhor mulher do mundo. Vive me perguntando da minha saúde.
Arlindo — Isso é amor, Jurandir.
— Isso é medo de me ver batendo as botas no meio da pia. Já me proibiu de comer três pratos de yakisoba... só posso dois agora. É o fim da liberdade masculina.
Zoraide entrou na conversa:
— Devia era estar feliz que ela cuida de você! Aqui se deixasse, o Arlindo comia pastel até no café da manhã.
Arlindo, ofendido:
— “Se deixasse”? Eu como mesmo! Com café, com leite, com tristeza e com alegria!
Todos riram.
Jurandir continuou, com um suspiro de senhor experiente:
— Bem, Yuthiro o meu filho do meio tá treinando pra assumir o restaurante. Tá aprendendo o segredo do missô, do molho tare, e do jeito certo de cortar o salmão sem parecer que passou a faca no chinelo.
— Já tá com sucessor! Que beleza. Tá quase aposentando, então?