O senhor dos pastéis

Capitulo 17 Voltando pra casa

Capítulo 17 – voltando pra casa

Arlindo se sentou ao pé da cama, o coração apertado, mas tentando manter a compostura. Gilmar, deitado e com os olhos firmes, falou com a serenidade de quem já havia feito as pazes com o tempo.

— Em breve vocês estarão juntos de novo... — disse ele, com a voz baixa, porém clara. — Sabe, eu não tenho muito tempo, meu filho. Cuide bem da minha menina. Em breve estarei junto da minha Beatriz, e eu tenho certeza de que não haverá mais nada que segure minha Elena aqui...

Arlindo balançou a cabeça, forçando um sorriso.

— Não diga isso, senhor Gilmar... o senhor vai viver até os 100 anos! Vai dançar no casamento do Emiliano ainda!

O velho riu, soltando um pigarro entre as gargalhadas.

— Hahaha, besteira, rapaz. Não se esqueça de dizer ao seu pai que pra mim ele sempre foi como um irmão. Aquele velho italiano teimoso... temos quase a mesma idade, mas ele tem uma saúde que eu nunca tive. Aquele sim vai viver até os 100. Eu já estou nos acréscimos, meu genro, e tudo bem com isso. Só queria te ver uma última vez. É bom poder me despedir.

Arlindo apertou a mão dele, tentando conter as lágrimas, mas não conseguiu. Abraçaram-se em silêncio por alguns segundos, naquele tipo de abraço que diz tudo o que as palavras não conseguem.

Depois da conversa, da despedida e das lágrimas discretas que escorreram sem vergonha, Arlindo teve uma última noite quente com Elena. Foi um amor lento, silencioso e cheio de significados. Como se cada toque fosse um lembrete: "Ainda estamos aqui."

Naquela madrugada, o sono veio pesado. Mas dentro dele, leveza.

Arlindo sonhou com um campo vasto, repleto de girassóis dourados sob um céu azul claro. No meio das flores, Gilmar apareceu — jovem, sorridente, vestindo uma camisa branca e calças claras. Caminhou até Arlindo com um olhar calmo e feliz.

— Agora é sua vez de cuidar da minha menina... — disse ele, pousando a mão no ombro do genro.

Em seguida, virou-se e começou a caminhar pelo campo. Mais à frente, Ana Beatriz o esperava. Linda, com os cabelos presos e um vestido florido. Quando se encontraram, os dois se deram as mãos. E juntos, sumiram no horizonte dourado.

Arlindo acordou com o peito apertado, ainda com o gosto salgado das lágrimas da noite anterior. Um pressentimento estranho o fez sair da cama sem fazer barulho. Caminhou pelo corredor em silêncio, como se o tempo tivesse diminuído. Parou diante da porta do quarto de Gilmar. Respirou fundo, abriu devagar.

Seu sogro jazia ali, sereno, com um leve sorriso no rosto. Havia partido durante o sono. Silencioso, como quem já havia dito tudo o que precisava dizer.

Arlindo caiu de joelhos ao lado da cama, as mãos cobrindo o rosto, e chorou como uma criança. Chorou alto, sem vergonha. Chorou pela ausência, pelo carinho, pelas conversas que não viriam mais. Chorou por perder não só um sogro, mas um segundo pai.

Logo sua esposa, Elena, o encontrou ali e caiu ao lado dele. Emiliano, ainda sonolento, chegou logo depois e os três ficaram abraçados num silêncio pesado e sagrado.

Em poucas horas, a casa estava cheia. Parentes, amigos, vizinhos — todos vieram se despedir de Gilmar. O velório teve lágrimas, sim, muitas. Mas também teve histórias.

Teve quem contou da vez em que Arlindo preparou sozinho o buffet para a festa de uma das sobrinhas, a mando do sogro — que nunca deixava ninguém sair com fome. Alguém lembrou das vezes em que Gilmar insistia em dar dinheiro a Arlindo, mesmo quando ele recusava, dizendo: “Aceita, rapaz, isso aqui é pra família.”

Contaram da vez em que Gilmar tentou aprender italiano só pra conversar com o pai de Arlindo — um velho teimoso e amoroso que se derretia toda vez que ouvia o sotaque carregado do amigo. Riram ao lembrar da pescaria em que Gilmar, o irmão mais velho e seu pai passaram mais tempo bebendo e rindo do que pescando.

No fim, quando o caixão foi fechado, Arlindo sentiu como se um pedaço de si também estivesse sendo enterrado.

Ele olhou para o céu, os olhos vermelhos e inchados de tanto chorar, e sussurrou com a voz embargada:

— Cuide bem dele, Senhor... esse homem era de ouro. De ouro puro.

Depois disso, ficou ali parado por um tempo. Em silêncio, vendo os últimos raios do dia sumirem no horizonte. O coração pesado, mas cheio de gratidão por ter tido a sorte de conhecer um homem como Gilmar.

Os dias que seguiram ao funeral foram cinzentos. Um tipo de cinza que não vinha do céu, mas do peito. Aquele tipo de cor que cobre tudo quando a saudade ainda é muito recente, quando até o cheiro da casa parece chorar.

Mas, como sempre acontece nas famílias de verdade, as risadas começaram a voltar devagar. Primeiro tímidas, depois mais soltas. Gilmar, se estivesse ali, com certeza esbravejaria:

— Que palhaçada é essa de ficar triste? Levanta, homem! Bota água no café!

Arlindo sabia disso. E, por isso, ficou mais uma semana. Não por necessidade, mas por amor. Para ajudar Elena a reorganizar os papéis do luto. Para jogar dominó com Emiliano. Para andar até a padaria e voltar ouvindo o bom-dia dos vizinhos, que o chamavam pelo nome e diziam:

— Arlindão, bom te ver por aqui de novo!

E então, quando o dia da partida chegou, Arlindo saiu com as chaves do velho Celta na mão, pronto para pegar a estrada sozinho. Colocou as malas no porta-malas, ajeitou o banco do motorista... quando ouviu o som da mala de rodinhas sendo puxada pela calçada.

Elena e Emiliano estavam prontos também.

— É hora de voltar pra casa, disse ela, sorrindo.

Arlindo piscou algumas vezes, surpreso, e então sorriu de volta. Ela estava certa. Era hora de voltar a ser como antes. Hora de reconstruir.

Na estrada, as músicas do rádio se misturavam como uma colcha de retalhos sonoros. Um pouco de Roberto Carlos, um pouco de Legião, um pouco de pagode que Arlindo fingia odiar, mas sabia cantar de cor.

Todos cantavam. Elena com a voz suave, Emiliano com aquela empolgação de criança, Arlindo batucando no volante. Cantavam juntos, como quem reconstrói a vida em pequenos refrões.



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En el texto hay: comedi

Editado: 26.05.2025

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