Monarquia e alegria
Na manhã seguinte, o sol nem tinha terminado de espreguiçar e já dava pra sentir o cheiro de óleo quente e possibilidades no ar. A pastelaria, outrora comandada por um batalhão de guerreiros cansados, agora parecia o castelo de uma pequena monarquia gastronômica.
Elena, majestosa como uma rainha sábia e destemida, tomou seu lugar atrás do caixa. Seus olhos verdes observavam tudo com a firmeza de quem sabe comandar exércitos — ou pelo menos troco de cinquenta com maestria.
O balcão virou seu trono. O visor da maquininha de cartão? Sua espada luminosa. E as moedas no pote do troco? Suas joias.
— Vamos manter a ordem no reino, meus súditos! — disse ela, ajeitando o cabelo como quem veste uma coroa.
Emiliano, por outro lado, era um príncipe cavaleiro em sua primeira grande missão. Circulava entre as mesas com uma alegria que lembrava um escudeiro recém-formado.
— Qual pastel vossa senhoria deseja? De carne real ou queijo nobre?
Os clientes riam, encantados. Havia algo mágico em ver aquele menino ajudando o pai. Como se o legado de Arlindo estivesse sendo passado com recheio de frango e generosas pitadas de carinho.
Arlindo, claro, era o rei. O verdadeiro patriarca do paladar. Braços fortes, avental levemente chamuscado e um sorriso que só os mestres da fritura sabem dar.
— Atenção, súditos! Pastel de banana com canela vindo direto da fornalha real! — gritava ele, erguendo a escumadeira como se fosse o cajado de um mago culinário.
Zoraide servia os cafés com a elegância de uma dama da corte. Ermes fritava como um ferreiro medieval. Robson chegava com seu carrinho de lanches como um cavaleiro errante, trazendo reforços e sorrisos.
A pastelaria virou um castelo. Um reino democrático, claro. Aberto a todo tipo de plebeu, nobre ou aventureiro faminto.
Claro! Vamos seguir com esse momento leve, divertido e familiar, mantendo o clima alegre da pastelaria no mesmo dia e capítulo:
A manhã seguia movimentada no Reino da Pastelaria quando, de repente, a porta abriu com aquele som clássico de sino batendo na madeira — trim-trim — e entrou Jurandir, carregando um botijão de gás nas costas como se fosse o troféu de um torneio lendário.
— Arlindo! Vim pagar o favor! — anunciou ele, com um sorriso que iluminava até o azulejo mais sujo da parede.
Arlindo, que fritava um pastel de queijo com a destreza de um alquimista, largou a escumadeira e foi recebê-lo com um abraço de urso.
— Jurandir! Meu irmão! Já tava achando que você tinha esquecido desse botijão!
— Esquecer? Eu? Jamais! Esse gás aqui é mais simbólico que útil, mas palavra de homem vale mais que recibo!
Jurandir então se sentou, estalando os ossos como quem tira a armadura após uma longa batalha. Arlindo logo trouxe uma xícara de café preto forte, como ele gostava, e Elena apareceu com um prato de bolo de cenoura recém-cortado, com cobertura generosa de mel.
— Ah, minha rainha das guloseimas! Isso aqui é melhor que banquete de imperador! — disse Jurandir, exagerando como sempre, enquanto Elena ria e agradecia.
— Meus sentimentos pela perda do seu pai, Elena. Seu Gilmar era um cabra de respeito... até tentou me ensinar a jogar dominó sem colar. Nunca consegui ganhar dele. — completou, com um olhar sincero e cheio de carinho.
Emiliano, curioso como um escudeiro novo, puxou conversa:
— Seu Jurandir, é verdade que o senhor já pescou um peixe do tamanho de um botijão?
— Claro! E o danado ainda tentou morder minha vara!
O ambiente era pura alegria — até que a paz foi interrompida pela chegada triunfal da esposa de Jurandir, Dona Keiko, com o olhar de quem já tinha preparado um sermão em três idiomas.
— JURANDIR!!! — ela gritou, misturando japonês com português, o que fazia parecer que um general samurai estava convocando um soldado relutante para a guerra.
— Ah, não... — sussurrou Jurandir, já se levantando devagar, como um condenado subindo ao cadafalso.
A discussão começou ali mesmo, entre pratos de pastel e garfadas de bolo, com palavras rápidas em japonês que deixavam todos boquiabertos — ninguém entendia nada, mas a entonação dizia tudo. Elena olhava divertida, e Arlindo tentava esconder o riso atrás de um copo d'água.
— Querida... amor da minha vida... eu juro que esqueci que hoje é o aniversário da sua irmã! A Kátia, não é? A gente vai pra lá agora, prometo! — disse Jurandir, tentando negociar como um diplomata cansado.
— Vai mesmo, Jurandir! — respondeu Keiko, já saindo pela porta com um passo firme.
Jurandir deu um beijo rápido na testa de Emiliano, pegou o último pedaço de bolo de cenoura com a mão e olhou pra Arlindo com cumplicidade:
— Reze por mim, rei dos pastéis. Hoje a noite, talvez eu durma no sofá do trono...
E saiu correndo atrás da esposa, mastigando e se despedindo com a mão no ar.
Arlindo riu alto. Elena sacudiu a cabeça sorrindo. E Emiliano, com os olhos brilhando, disse:
— A gente precisa de mais amigos assim, né pai?
— Sim, meu filho... cada reino precisa de seus cavaleiros loucos.
E assim a tarde seguiu, entre pastéis crocantes, gargalhadas e lembranças doces. A vida estava voltando — cheia de cor, gosto e até uma pitada de confusão.