Os dias foram passando, e a rotina na Pastel e Glória já não era mais tão rotineira assim. O movimento crescia a cada semana. As mesas viviam lotadas, as filas iam até a calçada, e até mesmo o velho balcão de inox parecia cansado de tanto pastel que passava por ele.
O Dogão Express, o food truck de Robson, praticamente já funcionava como uma extensão da pastelaria. Muitos clientes começavam no pastel e terminavam no hot-dog... ou o contrário. Era um fluxo interminável de sorrisos, frituras e pedidos de "mais molho, por favor!"
Arlindo, agora conhecido carinhosamente no bairro como o "Rei do Pastel", mal tinha tempo de respirar. Elena dominava o caixa com a graça de uma rainha. Emiliano servia os clientes com o entusiasmo de um príncipe em missão diplomática. E Zoraide, Ermes e Nicolas corriam de um lado para o outro como escudeiros fiéis em campo de batalha.
Mesmo com todo esse caos organizado, Arlindo sempre arranjava um tempinho para fazer o que mais amava: cuidar das massas, temperos e conversar com os clientes. Porém, naquele final de tarde abafado de quarta-feira, enquanto limpava o suor da testa com o pano de prato já meio encardido, Arlindo ouviu o som de notificação vindo do computador velho que ficava encostado no canto do escritório.
— Será que é mais cobrança da distribuidora de farinha? — resmungou, já se preparando para um novo estresse.
Ao abrir o e-mail, seus olhos se arregalaram.
Era uma mensagem de um homem chamado Wang Liu, um pasteleiro chinês de Maceió, que começava a carta de forma simples e direta:
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Assunto: Pedido de Parceria – Pastel e Glória
"Senhor Arlindo, meu nome é Wang Liu. Sou filho de imigrantes chineses, nascido e criado em Alagoas, em um bairro simples de Maceió. Tenho um pequeno ponto de venda de salgados, mas sempre sonhei em abrir uma pastelaria de verdade. Acompanho suas reportagens, vi vídeos seus na internet, e meu sonho é abrir uma filial com o nome Pastel e Glória aqui no meu estado. Quero trabalhar com as suas receitas, respeitando tudo o que o senhor criou. Meu objetivo é dividir os lucros de forma justa e levar um pedaço do seu legado para o Nordeste. Se puder, me dê uma chance. Sei que sou apenas um pasteleiro humilde... mas prometo dedicação e respeito. Aguardo sua resposta."
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Arlindo largou o pano, respirou fundo e ficou alguns minutos olhando pra tela.
— Rapaz... até em Maceió já estão de olho na gente... — disse em voz alta, meio surpreso, meio orgulhoso.
Robson, que passava pelo escritório com uma caixa de refrigerantes, ouviu e cutucou:
— O que foi, chefão? Alguma crítica nova?
— Pior que não... é um convite. Um convite pra crescer...
Arlindo pegou o teclado, pensou por alguns segundos e começou a digitar a resposta, com a mesma honestidade que sempre colocou em cada pastel que fritava:
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"Senhor Wang Liu, agradeço suas palavras. Fico feliz em saber que meu trabalho chegou até Maceió. Vou visitar você pessoalmente. Nada de decidir uma coisa dessas por e-mail. Quero apertar sua mão, provar sua massa e olhar nos seus olhos antes de qualquer contrato. Aguarde minha visita. E prepare um bom café, porque conversa de pasteleiro é longa."
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Depois de clicar em "enviar", Arlindo recostou-se na cadeira, olhando para o teto como se pudesse enxergar o mapa do Brasil desenhado nas placas de gesso.
— Parece que o Pastel e Glória tá prestes a cruzar fronteiras... — murmurou com um sorriso no canto da boca.
Naquele momento, ele nem sabia direito se era medo ou empolgação... talvez os dois. Mas uma coisa era certa: o homem que começou com uma pequena frigideira, agora sonhava alto.
E pela primeira vez, ele sentiu que aquele sonho... estava ficando cada vez mais real.
Arlindo chamou todos para uma pequena reunião no fim do expediente. Com a pastelaria já limpa e os clientes despedidos, ele puxou uma cadeira no centro da cozinha e exibiu o celular como se fosse um troféu.
— Olhem isso aqui, pessoal — disse, apontando para o e-mail.
Elena leu com atenção. Robson apoiou os cotovelos no balcão. Zoraide já estava com os braços cruzados, com cara de quem já sabia que vinha novidade.
— Um chinês de Maceió? — perguntou Ermes, franzindo o cenho.
— Isso aí! Um cara chamado Wang Liu. Quer abrir uma filial do Pastel e Glória. Diz que cresceu comendo pastel de feira, que respeita nossa história e quer dividir os lucros.
— E você vai mesmo? — perguntou Elena.
Arlindo respirou fundo. — Vou. Preciso olhar no olho do homem. Receita de família não é coisa que a gente manda por WhatsApp, não.
Elena assentiu com um sorriso de orgulho disfarçado.
— Então vai. E leva a minha benção... e um desodorante novo, porque com esse calor nordestino...
Todos riram.
— Pai! — gritou Emiliano do outro lado da pastelaria. — Me leva!
Arlindo olhou pro pequeno com aquele olhar de quem já sabia que seria convencido.
— Não tem videogame, nem YouTube, nem iFood na estrada, hein?
— Mas tem você e o rádio! E a gente pode cantar, né?
Elena, com aquele sorriso cansado e amoroso, só disse:
— Leva o menino, Arlindo. Vai ser bom pra vocês dois.
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Na manhã seguinte, enquanto o sol mal nascia, o velho Celta branco já estava com o capô brilhando de cera, os bancos cheirando a amaciante e o porta-malas com um cooler cheio de pão com mortadela, suco de caju e uma sacola com cuecas e meias emboladas.
Arlindo entrou no carro, ajeitou o retrovisor, colocou os óculos escuros e olhou para Emiliano, que já estava sentado com um boné virado pra trás.
— Tá pronto, casula?
— Sempre pronto, papai! — respondeu o garoto, imitando voz de soldado.
Com um toque no botão do rádio, Calhambeque de Roberto Carlos preencheu o ar e, com o braço esquerdo apoiado na janela e o cotovelo pra fora, Arlindo deu partida.
— Olha o meu calhambeque, bibi! — cantaram os dois em coro.