O senhor dos pastéis

Um sonho realizado 20

Os dois se sentaram na sala simples, mas aconchegante, e Arlindo, sem perder tempo, já abria sua mochila de viagem. De dentro, tirou um grande rolo de papel e o desenrolou sobre a mesinha de centro, como um rei revelando o mapa do novo reino conquistado.

— Porque o local vai ser perfeito, meu jovem! — disse com os olhos brilhando. — Grande, bonito, chamativo! Vai ser o trono do pastel! “Pastel & Glória”! Todo mundo vai querer parar pra comer um pedaço de realeza crocante!

Wang Liu tentava acompanhar o entusiasmo, mas mal teve tempo de respirar antes de ser interrompido por mais devaneios de Arlindo sobre decorações, mesas com guarda-sóis amarelos e slogans como “Sinta o gosto da nobreza em cada mordida!”

— Espere, espere... — Wang riu, levantando a mão. — Calma, majestade! Antes de construir seu castelo dourado do pastel, precisamos falar de impostos, aluguel... Eu até posso alugar o ponto, mas reformar? Isso eu não tenho como arcar. Mas antes de tudo, deixa eu te apresentar minha família.

Wang Liu nasceu no Brasil, mas seus pais haviam chegado da China há 25 anos, construindo uma vida honesta e modesta. Seu pai, senhor Yangfei, e sua mãe, dona Liuhuey, mesmo com o sotaque carregado, falavam português com uma doçura encantadora. Ambos demonstravam certo ceticismo quanto ao projeto da pastelaria — e seus olhares diziam tudo.

— Ele vai se meter em confusão com esse negócio de fritura — sussurrou a mãe, preocupada.

Mas Wang estava decidido. Com um sorriso leve, disse que faria aquilo de qualquer jeito — seu coração estava nos sabores brasileiros.

Arlindo então se levantou, com a postura de um velho monarca, e pegou uma pasta preta. Colocou-a sobre a mesa como quem revela um tratado entre nações. Ao abri-la, disse com firmeza:

— Wang, meu príncipe dos quitutes, você não vai só reformar... você vai reinar. Eu vou comprar o ponto. A pastelaria vai ser nossa, e nós seremos sócios: 70% pra mim, 30% pra você.

Wang arregalou os olhos. Arlindo, o homem gentil que parecia mais preocupado em contar piadas do que fazer contas, agora mostrava gráficos, planilhas, projeções de crescimento, fluxo de caixa...

— Parece que esse rei também tem um bom ministro das finanças! — murmurou Wang, surpreso.

Apesar da porcentagem parecer desigual, Arlindo deixou claro que havia margem para renegociar depois do primeiro ano. Era só o começo. Conversaram por horas, debatendo logística, maquinário, pessoal. Wang queria algo simples, uma barraca modesta. Arlindo discordava:

— Meu filho, “Pastel & Glória” não é só comida... é experiência. Tem que ser como entrar num castelo popular: sem pompa, mas cheio de alma!

Chegaram à conta final: 210 mil reais. Wang, envergonhado, disse que só tinha 10 mil.

Arlindo apenas sorriu e deu um tapinha em seu ombro:

— Você entra com o que pode... eu faço o resto. Porque é assim que se constrói um império, parceiro. Um pastel de cada vez.

Wang ficou espantado com a quantia. Ele não queria aceitar. Seus olhos se arregalaram ao ver o valor total anotado com caneta azul naquela planilha meticulosamente organizada por Arlindo. Riscado com marca-texto amarelo, estava ali: R$ 210.000,00. Era um número grande demais para a realidade modesta de sua família, acostumada a contar moedas para manter o pequeno restaurante que um dia sonharam abrir — e nunca saiu da cozinha de casa.

— Arlindo... eu... isso é muito dinheiro. Eu não posso aceitar você fazer tudo sozinho assim — disse Wang, passando a mão pelos cabelos, visivelmente desconfortável.

Arlindo ergueu uma sobrancelha e, com seu típico jeito meio estabanado e simpático, abriu um sorriso largo e falou com firmeza:

— Olha, sei que a porcentagem é desigual. Mas tudo isso está nas contas, meu amigo. Durante esse primeiro ano, eu vou arcar com quase tudo — aluguel, farinha, maçã, queijo, óleo, maquinário... até o pano da pia, se precisar! — ele deu uma risada calorosa. — Mas presta atenção: essa pastelaria vai bombar. Eu tô apostando nisso. Pastel e Glória vai virar referência. Você vai ver!

Wang ficou em silêncio. A sala estava abafada, iluminada por uma única lâmpada amarela que pendia do teto. Seus pais observavam quietos, trocando olhares desconfiados, como se aquele italiano entusiasmado fosse maluco. E talvez fosse. Mas havia algo naquele brilho nos olhos de Arlindo que era difícil de ignorar: era genuíno. Era esperança.

— Mas por que você faria isso? — Wang perguntou, quase num sussurro.

Arlindo ajeitou os óculos, olhou nos olhos do rapaz e respondeu:

— Porque você tem talento, garoto. E porque ninguém nunca me estendeu a mão quando precisei. É a minha chance de fazer diferente.

Wang respirou fundo. Sentia o peso da responsabilidade. Sabia que seus pais desaprovavam, que era arriscado, que podia dar errado. Mas ali, naquele momento, diante de um homem que falava mais com o coração do que com a razão, ele sentiu que talvez fosse certo tentar.

Estendeu a mão, meio hesitante. Arlindo a apertou com firmeza e sorriu.

— Só me promete uma coisa, Wang Liu.

— O quê?

— Que os pastéis vão ser bons. Muito bons.

Wang riu pela primeira vez naquela noite.

— Vão ser os melhores da cidade.

Não demorou muito para as reformas começarem. Arlindo não quis perder tempo: assinou os papéis, comprou o ponto e, no dia seguinte, a calçada já estava cheia de pedreiros, marceneiros e serventes. Chegaram cedo, alguns com a marmita debaixo do braço e outros apenas com o olhar curioso de quem queria entender o projeto. Arlindo deu um firme aperto de mão em Wang e sorriu:

— Vou deixar o resto com você, meu amigo. Você é o mestre-cuca agora.

Arlindo resolveu passar alguns dias ali mesmo em Maceió. Não apenas para supervisionar as reformas, mas para conhecer melhor o homem a quem havia decidido estender a mão. Ele e Wang passavam as tardes conversando. Às vezes, sentados no batente da futura pastelaria, assistindo os trabalhadores quebrando, erguendo, pintando. Outras vezes, andando pela orla, tomando água de coco e rindo de besteiras como velhos amigos de infância.



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Editado: 10.08.2025

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