Ainda segurando a mão estendida de Miguel, Mia tentou manter a compostura. Ele mantinha um sorriso gentil, com um brilho nos olhos que transmitia confiança — confiança que ela mesma nunca teve em si.
— Mia — ela disse, ajeitando uma mecha de cabelo atrás da orelha. — Prazer.
O que Mia não imaginava era que aquele simples aperto de mão, aquela troca tão breve, carregava o poder de virar sua vida do avesso. Se fosse um filme, talvez naquele exato instante uma música suave começasse a tocar ao fundo…, mas Mia estava longe de acreditar em reviravoltas bonitas.
Miguel respirou fundo antes de continuar, como quem acabara de encontrar algo raro e precisava ter cuidado ao manusear.
— Sua voz é única, Mia. — disse ele, com sinceridade firme. — Eu sei reconhecer talento quando ouço. Quero te fazer uma proposta.
Ela engoliu seco.
— Proposta?
Miguel explicou calmamente. Falou sobre um teste simples, uma gravação piloto, sem pressões e sem contratos imediatos. Apenas a chance de ela enxergar — talvez pela primeira vez — que havia um caminho possível para si.
Era real. Era concreto.
Mas Mia recuou antes mesmo de pensar.
— Não… obrigada. Eu não posso.
Miguel franziu o cenho, surpreso.
— Por quê? Você tem algo especial. Precisa acreditar em você…
Ela deu um passo para trás, como se cada palavra dele fosse perigosa.
— Eu não tenho nada de especial, Miguel. Minha vida já é difícil o suficiente. Não posso criar expectativas para depois cair do penhasco. É melhor assim.
Paulo, o gerente, chamou por ela naquele exato instante — e Mia aproveitou para fugir da conversa, do futuro possível, das chances que tanto a assustavam.
No dia seguinte. Miguel voltou ao Supermercado Bom Preço da Serra no fim da manhã. Mia, ao vê-lo se aproximar pelo corredor, sentiu o estômago se revirar.
— Mia, por favor… só pense melhor sobre isso. — pediu ele, com um sorriso quase esperançoso.
Ela desviou o olhar.
— Não precisa, Miguel. Minha vida já é o suficiente para mim. Não tenho espaço para sonhos grandes. Nem para acreditar no que não vai dar certo.
Ele passou a mão pelos cabelos, frustrado, mas ainda calmo.
— Você está enganada sobre você mesma…
Antes que pudesse continuar, o celular dele tocou. A expressão de Miguel mudou no mesmo instante.
— Preciso ir. Agora. Problema urgente no estúdio.
Ele guardou o celular e olhou para Mia como se tentasse gravar cada detalhe dela antes de partir.
— Eu volto. Eu prometo que volto para a gente conversar.
Aquela palavra — prometo — atingiu Mia como um golpe invisível.
Pedro também havia prometido voltar.
E nunca voltou.
Por isso ela apenas respondeu com um sorriso curto, quase vazio, que Miguel não conseguiu decifrar antes de sair.
Se passaram dias... semanas... meses.
E Miguel não voltou.
Os dias passaram arrastados, lentos demais.
Mia tentava não pensar nele…, mas Miguel estava sempre ali, aparecendo quando ela fechava os olhos. A voz dele dizendo que ela era especial… que tinha algo único.
Às vezes, Mia se pegava se perguntando se havia sido dura demais.
Ou se deveria ter aceitado, só para ver no que dava.
Mas “talvez” não pagam contas.
Então ela fez o que sempre fez: se prendeu à rotina.
Acordar cedo.
Trabalhar o dia inteiro.
Voltar para casa cansada demais para sentir.
Sem perceber, as semanas viraram meses.
Miguel se tornou apenas uma lembrança distante — quase um sonho que ela não tinha permissão para sonhar.
Até aquele dia.
Mia acordou com uma sensação estranha, como se algo estivesse suspenso no ar. Um aviso silencioso do destino, quase imperceptível.
— O que poderia acontecer comigo hoje? — murmurou enquanto se arrumava.
No supermercado, enquanto repunha produtos nas prateleiras, ouviu Paulo chamando:
— Mia! Caixa três, por favor! Movimento inesperado!
Ela correu para ajudar. Enquanto atendia, aquela sensação incômoda começou a crescer… um aperto familiar no peito. Um frio quente — se isso existisse — que ela só sentia perto de uma única pessoa.
— Não… não pode ser… — pensou.
O sino da porta tocou.
Mia desviou o olhar apenas por um segundo para ver quem entrava. Era só um homem de boné… ela voltou ao atendimento.
Mas algo fez sua mão congelar no ar.
Um cheiro familiar.
Um silêncio estranho atrás dela.
Um sentimento que ela reconheceria até de olhos fechados.
Ela levantou os olhos novamente, com o coração batendo tão rápido que parecia querer fugir de dentro dela.
Ali, parado na porta do Supermercado Bom Preço da Serra, estava ele.
A única pessoa capaz de despertar nela uma mistura impossível de saudade, dor, amor… e abandono.
Pedro.