CAPÍTULO 3 — O RETORNO DE PEDRO
O coração de Mia parecia não acompanhar o ritmo do próprio corpo.
Era estranho como certos sentimentos nunca morrem. Eles apenas dormem, esperando o momento certo para acordar — e acordam doendo.
Ela jamais imaginou que aquele reencontro aconteceria ali. Naquela cidade pequena. Naquele supermercado simples, onde sua vida parecia ter parado no tempo.
Pedro entrou sozinho no Supermercado Bom Preço da Serra.
Mia o viu de longe, assim que ele atravessou a porta. O sino soou baixo, mas o impacto foi ensurdecedor dentro dela.
Não pode ser…
Ela sentiu as mãos gelarem, o estômago revirar, o ar faltar por um segundo.
Era ele.
Pedro.
Mais maduro, postura confiante, roupas bem cortadas. O mesmo rosto que ela conhecia de cor — mas agora carregando algo diferente. Uma distância invisível.
Pedro caminhou até a geladeira, pegou uma garrafa de água e seguiu para a fila, distraído, mexendo no celular. Não a viu. Não ainda.
Mia continuou atendendo, tentando manter a normalidade. Cada cliente parecia demorar uma eternidade. Seu coração batia tão forte que ela tinha medo de que alguém pudesse ouvir.
Até que chegou a vez dele.
Pedro colocou a água sobre o balcão.
— Bom dia — disse Mia, com a voz profissional… mas ainda assim, a voz que ele conhecia melhor do que qualquer outra.
Pedro congelou.
Aquele som atravessou o tempo.
Ele levantou os olhos devagar.
E então, tudo voltou.
O primeiro beijo na adolescência. As risadas depois da escola. Os planos feitos em silêncio. O amor jovem, intenso, cheio de promessas.
Mia e Pedro ficaram se encarando por um breve instante — tempo suficiente para que anos de história explodissem dentro dos dois.
Mas o momento foi quebrado.
— Amor, vamos levar esse também — disse uma voz feminina, se aproximando.
Lara.
Ela apareceu ao lado de Pedro, segurando outro produto, sorridente, confiante, sem imaginar o terremoto emocional que acabara de atingir os dois à sua frente.
Pedro desviou o olhar rapidamente, visivelmente desconcertado.
— Claro, amor… vamos levar — respondeu, tentando soar natural.
Então, voltou-se para Mia, mas o que disse foi como um golpe.
— Pode colocar esse também, por favor… moça.
Moça.
Ele fingiu não a conhecer.
O coração de Mia se partiu em silêncio.
Ela engoliu em seco, forçando-se a manter o controle.
— Claro, senhor — respondeu, passando os itens no leitor. — Algo mais?
Pedro balançou a cabeça, evitando olhá-la diretamente.
— Não… só isso.
Após o pagamento, ele agradeceu rapidamente, segurou o braço de Lara e saiu.
Pedro sentia culpa. Sentia-se pequeno por ter fingido que Mia era apenas uma desconhecida. Mas Lara não sabia de nada. Não sabia da história, do passado, do amor que ainda doía.
Mia observou os dois saírem.
Seu grande amor tinha voltado.
Mas tinha voltado com outra.
E ainda fingiu não a conhecer.
Quando o movimento diminuiu, Mia voltou para a reposição de mercadorias. As lágrimas escorriam silenciosas, mas ela não parou. Não podia parar.
A dor era grande, mas as contas eram maiores.
No fim do expediente, ela correu para o segundo emprego. Não tinha escolha. Nunca teve.
O Restaurante Estrela da Serra estava mais tranquilo naquela noite. Luzes amareladas, cheiro de comida quente, um certo conforto no ar.
Joana, sua colega de trabalho, havia faltado.
— Mia, você consegue cobrir as mesas do fundo hoje? — pediu seu Agenor, com voz gentil.
— Consigo sim — respondeu ela, respirando fundo.
Mia pegou os cardápios e seguiu para as mesas mais afastadas.
Havia um casal sentado ali.
Ela não reconheceu a mulher de imediato. Apenas se aproximou, com o profissionalismo que a vida exigia.
— Boa noite, sejam bem-vindos. Aqui está o cardápio…
Antes que terminasse a frase, alguém puxou a cadeira e sentou-se à mesa.
— Desculpa a demora.
A voz.
Mia sentiu o mundo parar.
Ela levantou os olhos lentamente.
Era Pedro.
Agora, mais perto. Mais real. Mais doloroso.
Os olhos dos dois se encontraram novamente, e dessa vez não havia balcão, nem fila, nem pressa para esconder o passado.
— Mia… — ele disse, baixo.
Ela respirou fundo, tentando manter a dignidade.
— Boa noite. Já volto para anotar o pedido — respondeu, firme, antes de se afastar.
Pedro a observou se afastar com o coração apertado.
Ele tinha voltado.
Mas talvez tarde demais.
E Mia, mais uma vez, se via diante da mesma escolha que a vida sempre lhe impôs:
sentir… ou sobreviver.