Sob o Véu da Noite

Capítulo 1: O Mar e os Espectros

O balanço da trirreme era constante, um vai e vem que parecia sintonizado com o ritmo dos gemidos da madeira sob pressão. Cadmo apertou os olhos, tentando ignorar o cheiro salgado do mar que invadia suas narinas, misturado ao odor de peixe podre e salmoura que impregnava o porão. A cabine era pequena, claustrofóbica, e o som das ondas batendo contra o casco ecoava como um tambor distante, martelando seus ouvidos. Ele tentou se concentrar no barulho dos passos pesados dos soldados no convés acima, mas o enjoo persistia, uma náusea que subia da garganta e se instalava como um punho fechado no estômago.

Cadmo se virou de lado no catre estreito, sentindo o suor frio escorrer pelas têmporas. As mãos tremiam levemente, e ele as enterrou sob a manta áspera, como se pudesse esconder a fraqueza de si mesmo. Fora, o vento uivava, trazendo consigo o sussurro de vozes que ele não conseguia distinguir. Demóstenes devia estar lá, dando ordens com aquela voz firme e calma que parecia desafiar o caos. Cadmo tentou se agarrar àquele pensamento, mas o mar não permitia. O mar nunca permitia.

Quando finalmente adormeceu, foi para um lugar pior.

Estava de volta àquela fatídica noite da cripteia, onde a lua cortava o céu como uma foice. A floresta era úmida, o ar pesado com o cheiro de terra molhada e folhas apodrecidas. O som distante das ondas batendo nas rochas. Ele corria, mas seus pés afundavam na lama, cada passo um esforço hercúleo.

Os gritos ecoavam atrás dele — não eram palavras, apenas sons guturais, desesperados. Ele sabia o que vinha a seguir. Sempre vinha. "Não quero fazer isso", tentou dizer, mas as palavras morreram na garganta. Cadmo tentou fechar os olhos, mas suas mãos estavam ocupadas, segurando algo pesado e quente como sangue fresco. As figuras indistintas ganharam forma, com olhares acusadores, e o peso da lâmina em sua mão se tornou, pouco a pouco, insuportável. Alguém gritou — era sua própria voz? — e então a terra se encharcou enquanto cadáveres surgiam ao redor. Tudo se dissolveu num instante em um redemoinho de sombras.

Acordou engasgado, o suor escorrendo pelo pescoço como água de riacho. O coração batendo como um tambor de guerra. A cabine estava escura, mas o balanço do navio confirmou que ainda estava preso naquele inferno flutuante. Respirou fundo, tentando afastar o gosto amargo do pesadelo. Tremia, as mãos agarradas à manta úmida, e levou um minuto para perceber que os gritos vinham de seus próprios lábios. Eram as mãos de um guerreiro, marcadas por cicatrizes e calos, mas naquele momento pareciam frágeis, quase estranhas.

O som de passos se aproximou, e a porta se abriu lentamente. Demóstenes entrou na cabine sem bater, trazendo consigo o cheiro de vinho e óleo de oliva. Seus passos eram firmes, mesmo no convés instável. A lamparina em sua mão projetava sombras dançantes nas paredes de madeira e seu rosto estava cansado, mas os olhos brilhavam com uma determinação que Cadmo admirava, mesmo sem admitir.
— A tempestade nos atrasou, mas parece que os deuses ainda não terminaram conosco. Salamina está próxima — disse, jogando um pedaço de pão seco no colo de Cadmo. — Coma. Você parece um cadáver.
Cadmo encarou a comida, a garganta contraindo-se. O pão tinha a cor do barro, e o pensamento de mastigá-lo fez seu estômago revirar. Demóstenes riu, baixo, como sempre fazia quando a situação era ruim demais para ser levada a sério.
— Venha ver. O Templo de Poseidon está lá em cima, brilhando como um farol. Quase valeu o naufrágio.

Cadmo assentiu, mas não se moveu imediatamente. Ainda sentia o peso do pesadelo, como se ele tivesse deixado marcas invisíveis em sua pele. Demóstenes esperou um momento, como se soubesse que ele precisava de tempo, e então saiu, fechando a porta com cuidado.

Olhou fixo para as frestas de luz que escapavam da porta, tentando esquecer que, abaixo deles, as águas escuras engoliam tudo — até memórias.

Ele se levantou devagar, sentindo o chão frio e instável sob seus pés descalços. O enjoo ainda estava lá, mas agora era uma presença familiar, quase reconfortante. No canto, o elmo do pai brilhava fracamente. Dois soquinhos. Clang. Clang. O som metálico ecoou na cabine, um ritual que o mantinha preso a algo sólido, mesmo quando tudo ao seu redor parecia desmoronar.

Ao subir para o convés, o vento gelado o atingiu como um soco. Ele cerrou os punhos, sentindo a brisa salgada grudar em sua pele. Segurou o corrimão, os nós dos dedos brancos, e então viu: o mar se estendia à frente, infinito e implacável, e no horizonte, o Cabo Sunião erguia-se imponente. No alto do penhasco, as colunas de mármore do Templo de Poseidon se erguiam contra o céu cinza, tão perfeitas que doíam. Cadmo olhou para ele, sentindo um frio na espinha que não tinha nada a ver com o vento.

Os soldados atenienses riam de algo, suas vozes desbotadas contra o rugido das ondas. Demóstenes estava à proa, imóvel, como se desafiasse o deus a vir buscá-lo. Cadmo se aproximou, mas não disse nada. Em vez disso, ficou ali, sentindo o balanço do navio e o peso do mar sob seus pés. Demóstenes aproximou-se, oferecendo um odre de água.
— Bonito, não? — murmurou, seguindo o olhar de Cadmo.
Ele não respondeu. O Templo de Poseidon parecia observá-lo, silencioso e julgador. Pegou uma castanha do bolso, mastigando-a até virar pasta. O gosto amargo era melhor que o medo.

A visão do templo permaneceu gravada em sua mente mesmo depois que desceu do convés. O vento trouxe o cheiro de maresia misturado à expectativa inquieta da tripulação. Quando, enfim, a neblina começou a engolir o horizonte, soube que estavam perto de Salamina. O riso dos soldados cessou, substituído pelo silêncio pesado que precede as batalhas — ou os funerais.



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En el texto hay: mitologia, drama accin, enemiestolovers

Editado: 23.05.2025

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