Sob o Véu da Noite

Capítulo 4: Cinzas e Lírios

Os joelhos de Roxana latejavam contra o chão frio do salão, mas suas mãos não paravam. O esfregão rangia contra a madeira polida, traçando círculos hipnóticos que refletiam a luz do sol como lágrimas secas. Uma melodia melancólica escapava de seus lábios, sussurrada como se só o piso de cedro pudesse ouvir. O cheiro do óleo usado para lustrar o piso misturava-se ao suor que escorria por suas costas, grudando o tecido grosseiro do vestido na pele.

De repente, o silêncio do salão foi interrompido pelo som de passos suaves. Roxana ergueu os olhos e viu Safo parada sob o arco da entrada, o vestido cor de açafrão flutuando como asas de borboleta. A poetisa sorriu, e Roxana apertou o cabo do esfregão até as juntas ficarem brancas.

— Roxana — chamou Safo, a voz tão suave quanto o farfalhar das folhas de louro no jardim. — Venha comigo. Há algo que quero te mostrar. O sol está generoso hoje.

Ela hesitou, limpando as mãos no avental manchado de cinza antes de aceitar a mão estendida. A pele de Safo era macia, sem calos ou marcas, e Roxana puxou o braço para o lado, como se tocá-la por muito tempo pudesse queimá-la.

Caminharam até os jardins, onde a trilha serpenteava entre flores vibrantes e o ar pesava com o perfume de jasmim e romãs maduras. Para si, esse tipo de situação era sempre confusa. A gentileza daquela mulher era tão grandiosa que, às vezes, fazia Roxana esquecer que ainda era humana, e que carinho nunca deveria machucá-la. Já fazia um ano que ela a acolhera em sua casa, alimentando-a, vestindo-a e falando com ela como se fosse uma igual. Mas, não conseguia deixar de receber essa bondade com um peso de desconfiança, como se uma dívida invisível pairasse entre as duas.

No fim da trilha, uma clareira, onde se destacava um solitário cavalete de madeira desgastado. Sobre ele, uma tela branca esperava para ganhar vida, cercada por pequenos vidrinhos de tinta e pincéis dispostos em ordem perfeita.

— Roxana, quero que você conheça o meu cantinho especial — Safo, rodeou brevemente o lugar, enquanto a convidava para se sentar num toco de árvore próximo — Nos últimos anos, é aqui que eu tenho passado a maior parte do meu tempo. — inspirou fundo, seus olhos apertados — o ar é bom, não é? Parece que enche os pulmões…Eu amo isso — uma pausa longa se decorreu, enquanto ela fitava o horizonte dourado, sua mente distante — Bom, acredito que deve estar se perguntando o que está fazendo aqui né? — seus olhos sorriam com uma espécie de desculpa pelo mistério. — Sabe, Roxana, eu sempre tive muita certeza de quem eu era, o que eu deveria fazer, do que eu gostava…Mas, ultimamente, tudo tem parecido meio sem propósito. E sei que também tenho me distanciado de vocês. É a última coisa que eu gostaria. Essa escola parece ser a única coisa que ainda faz sentido nessa loucura. E…eu gostaria de me desculpar — seus olhos se avermelharam, uma ameaça de lágrimas apareceu.

— Pelo o que, minha senhora? — Roxana tentou imbuir sua pergunta de uma calma que contrapunha o nervosismo que acelerava seu coração. Não sabia lidar com esse tipo de situação.

— Desde que você chegou eu não tenho conseguido…Eu não…Eu gostaria de fazê-la sentir que esse é seu lugar também. Eu entendi que não deseja falar sobre as coisas que lhe aconteceram, mas sei que foram difíceis, e tudo bem. Mas, gostaria que soubesse que eu sou uma pessoa que pode contar. E, pelos deuses, me chame de Safo, certo? — um sorriso voltou a iluminar o seu rosto

— Certo…

— Bom…Não precisamos falar, mas existem outras maneiras da gente se comunicar, entende? Vê a tela? — seus braços levantaram para apontar o cavalete. O manto escorreu sobre o braço, deixando a mostra sua pele leitosa e perfumada.

— Vejo sim.

— Está vazia assim há algum tempo. Com tudo que tem acontecido nessa guerra, confesso que não tenho tido tempo de pintar. Mas, sempre foi algo que me ajudou muito.

— Em que?

— Então, eu realmente acredito que exista uma verdade definitiva, algo incontestável. Porém, acredito igualmente que somos incapazes de enxergá-la, justamente por sermos tanto…sermos tanto nós mesmos. Eu não posso enxergar o mundo como você, assim como o contrário também é verdadeiro. E as coisas que nós aprendemos aqui, a poesia, a música, a pintura, são coisas muito pessoais. Você concorda?

— Sim, senho…sim — deixou escapar um sorriso.

— Olha lá, hein? — ela riu, enquanto avançou sua mão para dar um tapinha no braço de Roxana. Num susto, ela recolheu o braço, e Safo entendeu — Ah, me desculpe. Sem toques, certo? — seu sorriso tirou o peso da situação.

— É melhor…

— Tudo bem, então. Bom, Roxana…Eu quero muito conhecê-la melhor e, por isso, te pergunto se não gostaria de pintar algo que você queira. Não sei se já fez isso antes, mas…

— Já sim. Mas, nunca gostei muito, para ser sincera… Quem gostava mais era… — e seu rosto se contraiu numa sombra profunda.

— Sua irmã, né?

— É.

— Bom. Tudo bem. Fique tranquila. Não tem proble…

— Mas, acho que gostaria de pintar alguma coisa.

— Ah, sério?

— Sim.

— Que legal! Então, vamos lá?

— Vamos — as duas se levantaram em sincronia. Roxana se dirigiu até a tela, enquanto Safo permaneceu passos atrás.



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En el texto hay: mitologia, drama accin, enemiestolovers

Editado: 23.05.2025

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