Atenas fervilhava com a promessa da Dionisíaca, mas este ano as celebrações carregavam um peso diferente. O ar na cidade era uma tapeçaria de contradições: o doce aroma de mirra e pães de cevada recém-assados misturava-se ao cheiro ácido de vinho derramado e folhas de louro queimadas. Nas ruas estreitas, guirlandas de hera murcha balançavam sobre lojas modestas, enquanto cortejos de comerciantes erguiam ânforas de vinho e ofereciam pães frescos e figos secos como podiam. Na Ágora, políticos em túnicas bordadas a ouro patrocinavam eventos pomposos, enquanto debatiam estratégias de guerra entre gargalhadas, ignorando os atores mascarados que declamavam versos truncados sobre Dionísio para um público de olhos vidrados e odres vazios. A guerra espreitava até nas estátuas do Teatro de Dionísio, agora cobertas por uma poeira que ninguém se dignava a limpar, e o Odeão ecoava vazio, salvo por um tocador de lira cujas cordas desafinadas irritavam os ouvidos de Roxana.
Ela subiu a colina da Acrópole entre o povo amontoado nas escadas do Partenon — rostos famintos esticando pescoços para capturar migalhas da festa acima. O convite de Alcibíades apertado em sua mão como um artefato de culpa. Passou por guardas de lanças cruzadas, suas sandálias rangendo no mármore polido como um alerta. No pátio, magistrados bebiam vinho em taças de prata, suas vozes ecoando vazias sob o brilho das lâmpadas de azeite. Um servo ofereceu-lhe vinho, mas ela recusou com um gesto seco — ainda sentia o hálito embriagado de Alcibíades em seu pescoço, os dedos dele deslizando por seu ombro.
— Ah, a mensageira de Lesbos! — A voz cortou o ar como uma lâmina. Alcibíades surgiu, seu sorriso tão calculado quanto o passo — Ainda carrega aquele olhar de águia ferida. Encantador.
Roxana forçou um sorriso. — Vim pelos versos, não pelas políticas.
— Versos? — Ele riu, apontando para um poeta que tropeçava sobre um odre vazio. — Esses mendigos mal sabem distinguir um dístico de um soluço. Até você faria melhor.
Ela virou-se para esconder o rubor nas faces, mas Alcibíades já a puxava para um círculo de generais que discutiam sobre navios espartanos como quem compartilha piadas de taverna. Roxana fingiu interesse, enquanto seus seus olhos fugiam para o palco improvisado, onde uma jovem declamava uma ode com voz trêmula. Erato não sussurraria isso nem em pesadelos, pensou, os dedos contraindo como se segurasse uma lira invisível.
— Desculpe-me — interrompeu, apontando para um criado distante. — Preciso… verificar algo — e se dirigiu para as sombras onde mesas de prata exibiam figos e queijos. Encheu as mãos de uvas, o suco doce aliviando a náusea que Alcibíades sempre provocava. Seus ouvidos captavam nuances que poucos percebiam, um legado de sua tutora, Safo. Roxana sabia que nenhum daqueles artistas, embora talentosos, alcançava a profundidade da mulher que a ensinara a transformar palavras em alma. Por um instante, permitiu-se sonhar. Poderia ela mesma subir naquele palco e mostrar que havia aprendido bem demais? Foi então que a voz dele ressoou, triunfante:
— Senhores! Devemos parabenizar os artistas que passaram por esse palco hoje. Sem dúvida, muito talentosos, todos. — ele não pôde conter um sorriso, quando mais um poeta tropeçou e caiu sobre o gramado — Porém, hoje temos a honra de contar com uma das maiores poetisas da Grécia, uma verdadeira jóia das musas. Roxana de Lesbos, discípula da lendária Safo! — Ele a apontou como um caçador exibindo sua presa.
Roxana congelou, uma uva esquecida entre seus dedos, enquanto a atenção da festa se voltava para ela. Os aplausos começaram antes mesmo de conseguir protestar. Forçou um sorriso contrastante com os olhos cheios de lágrimas, enquanto engolia as uvas inteiras, o ácido queimando-lhe a garganta. Alcibíades encontrou-a ao pé do palco, oferecendo-lhe uma lira esculpida em cedro com detalhes dourados. Suas mãos se demoraram ao entregar o instrumento, os dedos roçando os dela com intenção. Seu olhar era uma mistura de malícia e incentivo.
— Faça-nos honrar as musas, Roxana — disse ele, com um sorriso que parecia desafiá-la.
Os punhos de Roxana cerraram. Seria uma ótima adição para o show se eu o socasse agora, pensou. Então, retomou o sorriso, arrancou a lira de sua mão com violência e ergueu-a como um escudo para silenciar a multidão.
— Alcibíades é muito gentil. Não ouso me atribuir esse título. Esta honra pertence a Safo, minha senhora e professora. Se hoje canto, é com sua voz — A plateia murmurou, reconhecendo o nome. Roxana sentou-se na frágil banqueta de madeira. Um dos pés era notadamente menor do que os outros, ou era o chão quem estava errado. A banqueta bambeava. Seu coração apertou. Respire, pensou, você consegue.
Então, fechou os olhos, imaginando as mãos de Safo guiando as suas sobre as cordas. Deixe que os versos a atravessem, como vento através de ruínas. A voz da mentora cresceu em pensamento, sobre os berros da multidão, até que a melodia, suave e potente, envolveu o pátio em uma quietude reverente. Os versos fluíam suaves e mortais, como um rio que ela mesma não sabia carregar.
"Não minto: eu me queria morta.
Deixai-me, desfeita em lágrimas:
Mas, ah, que triste a nossa sina!
Eu vou contra a vontade, juro,
Safo. “Seja feliz”, eu disse,
E lembre-se de quanto a quero.
Ou já esqueceu? Pois vou lembrar-lhe
Os nossos momentos de amor.