A floresta respirava úmida, cada folha gotejando o peso de uma chuva que não cessava há sete dias. O cheiro da terra úmida tomava seus pulmões a cada respiração pesada. O mato grudava em Cadmo como mãos frias, enroscando-se em suas pernas, tentando arrastá-lo de volta para o esconderijo. A lama escorria entre seus dedos, que cravavam-se no cabo da adaga, as marcas do punho já tão fundas que pareciam parte da própria lâmina. No sopé da colina, um vilarejo despertava em um frenesi desesperado. Cavalos relinchavam, carroças rangiam e atolavam na lama, e camponeses apressavam os passos com trouxas e crianças chorosas nos braços. Em meio à confusão, Cadmo podia distinguir os sons de animais encurralados.
— É questão de tempo até o garoto voltar com os outros — sussurrou alguém nas sombras, a voz rouca de nervoso.
— Isso se os lobos não o encontrarem primeiro — respondeu outro, mais seco.
Cadmo não viu seus rostos. Sabia apenas que eram inimigos. Alvos com cheiro de medo e sangue podre.
O céu era uma tampa de chumbo, sem sol, sem lua. O mundo tinha virado cinza: cinza o solo arado, cinza as montanhas ao longe, cinza até o sangue velho em sua roupa encharcada.
Cadmo permaneceu imóvel. O corpo exausto protestava, as pernas vacilaram quando tentou se erguer. Fazia três dias que não dormia, e cada músculo gritava por descanso. Mas ele não tinha esse luxo. Não agora.
Seus olhos vasculharam a multidão, buscando uma silhueta específica. O líder. Precisava encontrá-lo novamente, antes que se esvaísse na corrente de fugitivos.
Na última vez que se depararam, o alvo estava isolado à beira de um riacho. Cadmo hesitou. A faca pesou. A mente fugiu. E, quando voltou a si, o corpo de seu melhor amigo, Lysandro, estava aos seus pés. O rosto dele ainda estava surpreso, os olhos abertos fitando o céu que não respondia. A chuva lavara as suas mãos, mas o peso da culpa permanecia. Não cometeria o mesmo erro duas vezes.
Em pouco tempo, o vilarejo estava vazio. Silêncio.
Cadmo caminhou pelas ruas estreitas. Pegadas recentes na lama denunciavam que haviam retardatários. Na praça central, carroças com eixos quebrados se espalhavam entre ferramentas e baús abandonados. O cheiro de pão queimado e estrume ainda pairava no ar, misturado ao sal do mar distante. Cadmo focou no som das ondas — um, dois, um, dois —, tentando tirar o olhar congelado de seu amigo de sua mente.
Um som estranho o fez girar a cabeça. Gemidos
Vinha de uma rua estreita à sua direita, cortando o vazio úmido como uma lâmina invisível. Cadmo avançou. Seus passos seguiam o mesmo ritmo do coração, que batia acelerado. Concentre-se, pensou.
Seguiu os gemidos até um celeiro com o telhado parcialmente desabado. Uma luz tremulava entre as frestas das tábuas de madeira. À porta, um cesto com trapos ensanguentados. Dentro do edifício, sombras se contorciam. Murmúrios baixos escapavam, abafados pelo som da tempestade.
O seu alvo apareceu de repente, cambaleando com um balde cheio nas mãos. Ofegante, deixou as costas escorregarem contra a parede e sentou-se no chão enlameado, esfregando o rosto com a água do recipiente. A chuva transbordava pelas calhas sobre sua cabeça, enquanto ele permanecia ali, imóvel. A cabeça baixa, como se buscasse respostas no solo enlameado.
Agora, pensou. Mas o corpo não se moveu. Os dedos apertaram o cabo da lâmina, hesitantes, enquanto a sua visão embaçava. Não da chuva. Não de cansaço. Podia sentir algo mais profundo, mais sombrio, rastejando dentro dele.
Respirou fundo. As ondas, lembre-se das ondas. Ajustou a postura, obrigou-se a avançar. Mas sentiu seus passos vacilarem sobre uma tábua quebrada, que cedeu sob seu peso. Cadmo se desequilibrou, caindo em quatro apoios sobre a lama.
O líder ergueu a cabeça, o balde caindo com um baque surdo.
— Quem está aí? — O sujeito tinha olhos fundos, mãos calejadas de quem cavara sepulturas e semeadoras.
O silêncio mastigou as palavras. Cadmo se levantou com dificuldade, apertando o punho da faca com ambas as mãos para conter o tremor.
— Estou aqui
O sujeito estudou sua figura por um instante.
— Você estava com o outro rapaz, não é?
— Estava — Cadmo permanecia imóvel.
— Ele está morto? — O líder perguntou, a voz embargada.
Cadmo não respondeu de imediato. O gosto de ferro ainda estava em sua boca. A imagem do amigo jazia sob a chuva, a expressão congelada no instante em que a lâmina o atravessou. Esfregou os olhos e a figura sumiu.
— Está.
O líder fechou os olhos por um momento.
— Que droga... Pelos deuses, era só um garoto — Ele passou a mão pelo rosto com força, como se tentasse apagar algo invisível. — Eu… eu o deixei escapar, sabia? — murmurou. — Mesmo sabendo que ele voltaria.
A faca de Cadmo pesou ainda mais — E ele voltou — sua voz saiu áspera. — Sua mão é quem guia a minha agora.
O líder deu um sorriso amargo — Vingança? É disso que se trata? — Seus olhos brilhavam de cansaço, vazios de medo. — Acha que me matar fará seu amigo voltar?
Cadmo não respondeu.
— Vocês não têm o direito de decidir quem vive ou morre. — O líder levantou-se, o olhar estreito.