O cheiro de acônito e menta mesclava-se ao suor que impregnava o quarto. Na escrivaninha, ao canto, Roxana mordia o lábio até sangrar, enquanto se contorcia na tentativa de esfregar o unguento que a criada lhe deixara nas feridas em suas costas. Cada toque arrancava um arquejo involuntário. Seus dedos tremiam ao deslizar por sobre as lesões arroxeadas que se confundiam às cicatrizes antigas, como um mosaico de raízes de uma árvore torturada. Pelo menos um dos braços ainda funciona, pensou, abaixando a manga esquerda para medicar o corte profundo no ombro esquerdo, causado pela flecha. A cicatrização ocorria bem, mas exalava um odor desagradávelmente doce. O tecido áspero pinicava as feridas como agulhas minúsculas. Sua testa ardia como brasa pela febre. No espelho embaçado, via o reflexo do manto caído no chão, manchado de pus e tinta.
Fazia uma semana desde que Péricles os recebera como seus hóspedes. Podia-se sentir o próprio céu pesar sobre suas cabeças após a rebelião que tomou a cidade. Por todo o lugar, farejava-se incêndios e ouvia-se explosões, gemidos e gritos. Após o ataque que sofrera na ágora, Cadmo a levara até a taverna onde conversaram pela primeira vez. O dono e a filha os acolheram até que Demóstenes e sua tropa chegaram para dispersar o conflito e conduzi-los em segurança até a residência de Péricles, que garantiu-lhes conforto e os melhores curandeiros. Roxana recebeu tudo isso e mais.
Porém, o quarto era vasto, frio, silencioso. Pequeno para a grandiosidade da casa, mas grande demais para ela, como se a engolisse. Sentia-se sufocada, deslocada, um grão de areia perdido em meio ao mármore polido. No fundo, sabia que fora lhe oferecido um abrigo seguro, mas a gratidão era uma moeda difícil de gastar. E vinha com um preço.
Naquele dia, o conforto prevaleceu à beleza. Optou por um manto de tecido leve, tingido em tons escuros, para disfarçar as marcas de sangue. Os cabelos estavam sujos, suados e presos. Sentia frio, mas a febre fazia sua pele brilhar sob a fina camada de suor.
Após arrumar-se, saiu. Na varanda, contemplou a luz da manhã que se derramava dourada sobre os jardins. Os olhos de Roxana se prenderam na silhueta ao lado do lago. Cadmo. Sentado na margem, os cotovelos apoiados nos joelhos, ele mexia na água com os dedos, a superfície ondulando em círculos cada vez mais largos, perturbando o reflexo das nuvens. O elmo velho repousava a seu lado, abandonado como um cão cansado.
Roxana se dirigiu às escadas, mas hesitou, receosa de que ele a percebesse. Desde que chegaram, sentia que ambos se evitavam. Mesmo nas poucas vezes em que se depararam nos corredores, a interação se resumia a discretos acenos de cabeça e grunhidos. Roxana não fazia ideia do que dizer e como agir em relação ao homem que a salvou. Tinha a estranha sensação de já ter passado por isso antes. Não conseguia deixar de pensar que o último encontro entre eles foi estranho. Vê-lo chorar mudou algo dentro de si. Não sabia ainda o que.
Antes que tomasse qualquer decisão, o som de passos firmes invadiu o jardim. Péricles surgiu escoltado por dois guardas, dispensando-os com um gesto antes de se aproximar. Os homens obedeceram, mas não sem lançar um olhar desconfiado a Cadmo, que continuou imóvel, como se fosse parte da paisagem.
— A criada tem sido útil? — A voz de Péricles era baixa, mas direta.
Roxana assentiu devagar, os olhos escorregando de volta para Cadmo, que ergueu a cabeça, atento.
— Ótimo. Sua coragem impressiona, Roxana — disse Péricles, examinando-a como se fosse um mapa de batalha. — Mas coragem sem aliados é um poema sem ouvidos.
— Como…? — ela engasgou mesmo antes dele a interromper.
— Soube o que estava tramando antes de ser atacada. Sair da cidade, é? Uma decisão ousada.
Roxana permaneceu em silêncio. Seus olhos questionavam-no silenciosamente.
Péricles cruzou os braços.
— Alguns comerciantes afirmaram se lembrar, depois de um pouco de encorajamento, sobre uma aristocrata intrometida, que vagava pelo mercado das pulgas como um espírito de presságio.
Distrairam-se um instante com o som surdo de uma pedra que Cadmo acabara de arremessar no lago. As ondulações cresceram. A água ameaçava transbordar.
Veja — Péricles continuou — Reconheço que não dei a devida atenção ao seu caso num primeiro momento. Espero que me perdoe. Imagino que tenha percebido que o momento é um pouco… complexo, digamos. Ainda assim, não posso dizer que não fiquei curioso com sua oferta. Portanto, vamos reabrir aquela negociação, o que acha? — Ele abriu um sorriso amarelo, os braços abertos — Então, quantos navios você acha que Deucalião pode nos oferecer?
Ela apertou os punhos, sentindo as cicatrizes no braço latejarem. Duas semanas implorando para ser ouvida, para que alguém se importasse, e agora… agora, quando era conveniente, os ventos mudavam de direção.
Mudou de ideia? — A indignação escorria por suas palavras.
— A rebelião foi um ponto de virada. Trágica, sim. Inevitável, também. — Péricles suspirou sob as olheiras pesadas — Agora, os outros magistrados não podem mais ignorar o mar. Perdemos Tebas, Mégara está por um fio. Nosso povo precisa comer, respirar… Se não encontrarmos um caminho por água, Atenas desmoronará antes que Esparta sequer alcance nossos muros.
Roxana sustentou o olhar, a expressão cerrada.