Os dias seguintes à partida de Demóstenes transformaram-se em um vácuo de existência, uma sucessão de momentos onde a realidade parecia esvair-se entre os dedos. Atenas, que antes pulsava em cada viela, agora se reduzia a uma repetição exaustiva, um tabuleiro onde todas as peças já haviam sido movidas.
Os poucos homens que restaram da tripulação que o acompanhava desde Samos, evitavam-no como se carregasse uma praga. Talvez carregasse. Sem destino e sem vínculos, Cadmo se afastou da suntuosidade da residência de Péricles, trocando a opulência por um bordel nas sombras da Acrópole. Não dormia. Sentava-se no alpendre, observando as sombras dos clientes dançarem nas cortinas de linho, enquanto mastigava amendoins até a mandíbula doer. O riso das cortesãs e o vinho barato lhe ofereciam um simulacro de presença, mas a cada amanhecer, restava apenas a dor surda de um exílio invisível.
Ao amanhecer, subia as escadarias da Acrópole. Os degraus de pedra, lavados pelo orvalho, refletiam a luz do sol nascente como lágrimas congeladas. A estátua de Atena dominava o pátio, seus doze metros de ouro e marfim cegando-o como um desafio. A deusa segurava Niké na mão esquerda, a Vitória dourada, mas seus olhos vazios, fixos no horizonte, horizonte, pareciam ignorá-lo completamente. A protetora dos heróis, lembrou. Mas ele não era um herói. Nunca fora.
Aos pés da estátua, ele deixava bolo de cevada, mel e vinho, oferendas roubadas do bordel, esperando, sem admitir, um sinal. Nenhum vinha. Helena costumava dizer que os deuses só falavam com aqueles que estavam dispostos a ouvir.
— Eles são como ecos no vento, sombras no fundo de um lago. Para alguns, isto basta. Mas, se você souber o que perguntar, Cadmo, talvez encontre uma resposta.
Agora, sentindo o frio do mármore sob as palmas das mãos, ele se perguntava se Atena o observava dos confins de algum destino traçado. Nos últimos dias, seu sono tornara-se errante, e em seus sonhos, sentia-se observado por olhos brilhantes que jamais piscavam.
— Você fala demais para uma pedra — murmurou certa manhã, entornando uma das jarras de vinho que oferecera.
O vento respondeu, arrastando folhas secas pelo chão.
Dali, partia para o destino seguinte dos seus dias, o Liceu. Desde que chegou, Cadmo foi atraído para aquele lugar. Podia sentir algo no fundo da sua mente tentando lhe comunicar algo, mas essa agonia diária não se revertia em respostas. O pátio cheirava a poeira e tinta fresca. Ele encostava-se sob a sombra de uma oliveira velha e retorcida, observando os garotos atenienses correrem pelo pátio de terra batida. Seus gritos eram agudos, estridentes, nada como os urros guturais dos exercícios espartanos.
Um deles tropeçou, arranhando o joelho, e chorou como um filhote de cão. Cadmo franziu o rosto. Fraqueza. Mas, por um instante, viu-se ali: sete anos, sangrando em silêncio no pátio do orfanato, enquanto Helena costurava sua pele com agulha e linha de tecer.
Mas, naquele dia, algo diferente aconteceu. A poeira levantada pelas corridas formou um véu dourado no ar. Cadmo fechou os olhos. Foi ali, entre os gritos e lágrimas, que tudo se dissolveu.
Floresta. Barulhos. O cheiro de figos maduros e sangue.
Ele estava de volta àquela noite, as folhas mortas formavam um leito sob seu corpo exausto, os galhos retorcidos das árvores pareciam mãos esqueléticas a lhe agarrar os membros. O céu, negro como obsidiana polida, ondulava com sombras indecifravéis.
O som chegou primeiro: o canto grave e rítmico das corujas, um chamado às trevas que se espalhavam ao seu redor. Uuh, uuh, uuh. Seu coração respondeu, cada batida acompanhada pelo calor espesso do sangue que vertia de sua coxa direita. Mas não havia dor. Apenas a pulsante percepção da própria fraqueza.
— Mamãe, um homem! — A voz infantil ressoou por entre os troncos caídos, vítimas de um vento que já se foi. Pequenos pés afundavam na lama ao seu redor.
Cadmo tentou erguer a cabeça, mas a chuva escorria em seus olhos. Vultos se aproximaram. Uma mulher e uma garota, seus rostos borrados pela névoa.
— É um deles. Se afaste. — A voz da mulher era fria como o beijo da morte.
— Ele está ferido!
— Está morrendo — disse a mãe, puxando-a para trás.
— Podemos ajudá-lo? — Sentiu um toque quente contra seu rosto, dedos pequenos e delicados, mas não houve conforto. Apenas uma invasão.
— Não. — A voz, agora, afastava-se
— Por quê?
— Porque ele não nos ajudaria. — Ela retorquiu com um cuspe.
— Como sabe? — A garota inclinou-se, seu rosto tão perto que Cadmo viu seus olhos azuis como o céu antes da tempestade. — Você me mataria se eu implorasse? — sussurrou, enquanto garras invisíveis se enterraram no peito de Cadmo, penetrando o coração.
As sombras giraram e se contorceram. Um suspiro escorreu de seus lábios, e então tudo se tornou escuridão.
Cadmo acordou engasgado, suor escorrendo pelas têmporas. O Liceu estava vazio, a poeira flutuava como névoa. Apenas o vento sibilava entre as colunas, carregando o eco de risos fantasmas.
A cidade continuava muda. Cadmo caminhou até a base da Acrópole, onde o vento dançava em redemoinhos, como se guiando-o para cima. Desta vez, a subida foi interminável. As escadarias serpentearam além das nuvens, os templos e teatros reduzidos a miniaturas de brinquedo abaixo dele. No topo, o Propileu erguia-se como um portal, suas colunas brancas brilhando sob um sol que não existia.