Roxana caminhava de volta à residência de Péricles, exausta após um dia inteiro de julgamentos no Areópago. Reprimendas aos traidores e punições aos conspiradores da revolta que ocorrera algumas semanas antes. Depois de alguns dias acompanhando Péricles, ele deixou de ser tão ruim assim. Parecia sempre taciturno e Roxana acreditava que isso era em razão da morte de sua esposa, Aspásia, pela peste. Os momentos de solidão refletiam-se em estudos e reflexões e, diferente de Alcibíades, desprezava simpósios e comemorações. Era um orador excepcional, cativava as massas e ameaçava as elites da qual ele mesmo fazia parte. Roxana já vira esse jogo antes, e o resultado quase sempre costuma ser trágico. Apesar de sua posição de observadora, visto que não era uma cidadã ateniense, Péricles a havia convocado a depor duas vezes para sustentar sua argumentação. Três senhores idosos de famílias extremamente tradicionais exigiam a cabeça dos criminosos que violentaram e assassinaram suas filhas na revolta. Péricles era o único que ousava confrontá-los em público, mas, fora do tablado, não moveu um músculo sequer para impedir as execuções. Roxana entendeu muito bem o seu jogo, e ela era um dos peões. Não jogaria esse jogo por muito mais tempo.
No dia anterior, a resposta à sua carta havia finalmente retornado de Lesbos, e o navio que a trouxe mostrava sinais claros de combate, provavelmente com piratas. A carta informava sobre a piora na situação de saúde de Deucalião e a disponibilidade de três dezenas de navios a serem somados à frota ateniense, ainda mais do que havia previsto. Péricles mostrou-se satisfeito e até concedeu acesso ao conteúdo das recentes cartas que havia recebido de um dos magistrados em Erétria, informando a situação do impasse com o navio apreendido. Segundo ele, a cidade enfrentava intensos conflitos internos entre resistir ou render-se à Esparta que, após a tomada de Tebas, batia a sua porta. O magistrado temia que a situação pendesse a favor da oposição e que, a qualquer momento, Erétria abrisse seus portões ao inimigo. Devido à gravidade da situação e ao sigilo do conteúdo, Roxana mostrou-se surpresa com o fato de Péricles tê-la mostrado e ainda mais pelo fato de parecer extremamente calmo diante daquela situação.
Ao chegar na residência, dirigiu-se ao seu aposento e solicitou um banho à criada, que já tinha deixado tudo pronto à sua espera. Satisfeita, tomou um banho demorado, refletindo sobre isso tudo. Depois, vestiu um manto de linho leve e se encaminhou até o jardim central, sentindo o frescor do início de noite. Ali, se juntou ao seu livro de poesias e começou a rabiscar ideias. Começou com uma e foi até a metade. Não a agradou. Depois outra, e outra, e outra. Nada ia até o fim. Depois, como Safo a ensinou, buscou formas de aproveitar essa mistura de ideias para criar algo novo, mas, ainda assim, sentia que era raso demais. Então, abaixou o livro, frustrada e tornou a encarar o lago. Um turbilhão de lembranças veio em sua cabeça, seu coração aqueceu e ela começou a escrever, linha após linha, sobre o homem que delineava as águas daquele lago algum tempo antes. Onde ele deve estar agora? Pensou. Sequer conseguiu se despedir, pois já havia partido quando retornou de mais um dia de reuniões. Naquele momento, já deveria estar em Tebas buscando o que tanto queria. Não o julgava. Roxana, apesar de não se sentir mais tão pequena dentro daquelas paredes, ainda estava longe de poder chamá-la de lar. Se sentia deslocada a todo momento e, após o ataque, não permitiam que saísse desacompanhada. Sou uma prisioneira, pensou.
Seu devaneio foi interrompido pela criada que surgiu para transmitir o convite de Péricles ao seu escritório. Roxana assentiu e levantou-se, deixando o livro de poesias para trás. Subiu as escadas até o terceiro andar e bateu na pesada porta de madeira escura. Uma voz abafada surgiu lá de dentro, convidando-a entrar. O quarto estava um breu, exceto por uma vela que queimava na mesa à frente da sombra que se dirigia a ela. Todas as janelas estavam fechadas e um cheiro de vinho pairava no ar. Sente-se, disse a voz, e ela obedeceu. Péricles permaneceu lendo um longo pergaminho, sem sequer olhá-la.
— Acredito que tenha compreendido a gravidade da situação em Erétria — começou ele.
— Perfeitamente.
— Ótimo. Preciso da sua ajuda uma última vez…
— Péricles — ela o interrompeu. — Em que momento essa relação vai deixar de ser unilateral?
Seus olhos se estreitaram sob a luz fraca
— Como? — disse com indignação
— Venho acompanhando você há mais uma semana, testemunhei ao seu favor, mobilizei os navios que precisava…Você ainda não cumpriu a sua parte do acordo. O que está acontecendo em Erétria? Onde está o navio? — disse cerrando os dentes.
— Você leu as cartas…
— Eu li as cartas que você me deu — ela o interrompeu novamente — Já cansei das suas histórias. Não acredito em nenhuma delas. Eu quero a verdade.
Ele deu uma risada seca, pousou o pergaminho e juntou as mãos sob o queixo
— Está procurando a verdade no lugar errado, menina. Espero que saiba disso.
— Sugiro que não me chame de menina novamente, não lhe dei tal liberdade. Você sabe bem o meu nome e o utilizará apropriadamente. Agora, diga a verdade. Sem teatro, sem discurso, sem rodeio. Ou abandonarei sua casa desnecessariamente grande neste exato momento e mandarei sua querida frota para o fundo do Egeu junto dos malditos piratas, sem distinção. E pode ter certeza que acharei uma forma de fazê-lo.