Quando o navio ancorou, a luz do amanhecer começava a iluminar o pequeno porto. Gabriel desceu ao convés inferior para se preparar. Escolheu roupas que refletiam o papel que precisaria desempenhar em terra firme: um mercador respeitável, com modos refinados e intenções bem definidas. Assim que pisou o cais, o cheiro a sal e peixe fresco invadiu-lhe os sentidos. O movimento na vila era familiar – barulhento e caótico –, mas os rostos eram estranhos.
Caminhou pelas ruas estreitas da vila, o chapéu de aba larga a cobrir-lhe parcialmente o rosto. Os passos firmes faziam-se ouvir contra as pedras irregulares enquanto ele mantinha o ritmo constante, o casaco a balançar com o movimento do corpo. Passou por lojas apinhadas e pescadores a descarregar cestas de peixe fresco, mas manteve-se afastado da confusão ao redor.
Quando parou junto a uma esquina mais isolada, um rapaz magro aproximou-se rapidamente, o olhar inquieto a varrer a rua como se temesse estar a ser seguido.
— Senhor — disse ele num sussurro apressado.
Gabriel encarou-o, mas não respondeu.
O olhar do rapaz prendeu-se no pescoço de Gabriel. Engoliu em seco antes de continuar, hesitante:
— Disseram-me que era importante... que só o entregasse se o senhor trouxesse um medalhão.
Com um gesto contido, Gabriel puxou ligeiramente o medalhão para fora, deixando que a luz matinal iluminasse o metal frio. O símbolo gravado era discreto, mas preciso — um traço de identidade que poucos reconheceriam.
O rapaz hesitou por um momento, depois soltou um suspiro de alívio, como se aquele pequeno fragmento de metal carregasse o peso de uma promessa antiga. Com mais segurança, estendeu-lhe o bilhete amarrotado.
Gabriel agarrou o bilhete, as sobrancelhas a franzirem-se enquanto desdobrava o papel. As palavras escritas à pressa estavam carregadas de urgência:
Lilian está em perigo.
Precisamos falar antes que seja tarde demais.
Gabriel apertou o papel com força, como se pudesse arrancar respostas das palavras rabiscadas à pressa. O nome de Lilian, escrito naquela caligrafia apressada, fez o sangue dele correr mais rápido. Havia urgência naquelas palavras, e Gabriel não podia ignorar isso. A caligrafia era inconfundível — Clara. Ao longo dos anos, ela nunca o contactara sem um bom motivo. Não sabia como ela descobrira que ele estava de volta, mas se Clara recorrera a ele, significava que algo grave estava para acontecer.
— Quem te deu isto? — perguntou Gabriel, a voz baixa, mas firme.
O rapaz hesitou, o rosto a contrair-se como se não quisesse responder.
— Uma rapariga — murmurou finalmente, lançando um olhar rápido por cima do ombro. — Disse que era importante e que só lhe entregasse isso se visse o medalhão.
Gabriel observou-o por um momento, a urgência e o desconforto do rapaz confirmando que aquilo não era um recado qualquer. Guardou o papel no bolso interior do casaco e ajustou o chapéu.
— Podes ir — disse, a voz calma.
Enquanto o rapaz desaparecia entre as ruas estreitas, Gabriel ficou imóvel, o olhar a percorrer a vila com uma intensidade renovada. Clara sabia onde o encontrar e sabia que não ignoraria um apelo dela.