Ventos de Paixão - O Preço da Esperança - Vp Livro1

Episodio 3

Lilian estava na biblioteca. O céu límpido permitia que a luz suave da manhã entrasse pelas janelas altas, mas o calor do dia deixava o ar denso, como se as paredes antigas da casa segurassem cada suspiro e memória.

Sentada junto à grande mesa de madeira, os dedos brincavam com a fita do vestido enquanto o olhar vagueava para lá da janela. A tranquilidade daquela manhã parecia estranhamente inquietante, como se o silêncio guardasse segredos à espera de serem revelados.

A luz do sol que atravessava os vidros fazia-a lembrar de dias distantes, quando o calor era uma desculpa para procurar sombra e inventar aventuras fora de casa, com Gabriel e Clara a seu lado.

— Lady Lilian — chamou Clara, entrando com uma bandeja de chá. A porta fechou-se suavemente atrás dela, garantindo-lhes a privacidade que partilhavam desde crianças. — Tens o mesmo olhar de quando eras menina, perdida nos teus próprios pensamentos.

Lilian sorriu ligeiramente, um sorriso que apenas Clara reconhecia como genuíno.

— E tu tens a mesma capacidade de ler os meus pensamentos. Estava apenas a lembrar-me de como tudo era mais simples. De como éramos felizes, sem saber.

Clara pousou o tabuleiro na mesa e sentou-se ao lado dela.

— Imagino que estejas a pensar nele — disse, num tom cúmplice.

Lilian soltou uma pequena gargalhada.

— Sim, é verdade. Mas não do Gabriel de hoje... Se é que ele ainda existe. — Apoiada no queixo, o olhar perdeu-se por instantes. — Lembro-me do rapaz que conheci. Aquele que se achava invencível, que tinha sempre ideias que acabavam por nos colocar em sarilhos. Quase consigo ouvi-lo a gritar que era o nosso capitão quando nos fazia atravessar o bosque.

Clara inclinou-se ligeiramente, com um sorriso malicioso nos lábios.

— Ele era mesmo especial. Não achas que estás apenas a romantizar a memória de um rapaz traquinas e com as botas sujas?

Lilian hesitou, mordendo levemente o lábio.

— Romantizar? Clara, ele passava metade do tempo a tentar impressionar-nos com acrobacias desajeitadas e a outra metade a fugir de reprimendas. Não havia nada de romântico nisso.

— Impressionar-te, a ti. Lembro-me perfeitamente — retorquiu Clara, rindo.

Lilian abanou a cabeça, entre risos.

— Não digas isso. Éramos crianças. Além disso, ele era mesmo teimoso. Nunca desistia, mesmo quando devia.

— Parece que a teimosia continua a ser um traço de ambos — murmurou Clara, com um brilho divertido no olhar. — Lembro-me bem desses dias. Pareciam tão simples, não pareciam?

Lilian inclinou-se para trás na cadeira, pensativa.

— Talvez. Não que eu viva presa ao passado. São boas memórias. Mas memórias, apenas. — Fez uma pausa, o tom mais firme do que aquilo que sentia. Era mais fácil convencer Clara do que convencer-se a si própria. Porque, no fundo, uma parte dela ainda queria acreditar que Gabriel não a esquecera.

— Pergunto-me onde estará agora. Se ele se lembra de nós, ou sequer de Cavendish?

Clara desviou o olhar, os dedos a deslizarem distraidamente pelo bordado do avental. Num gesto quase inconsciente, tocou no colar que trazia ao pescoço. O brilho discreto do medalhão captou a luz por um instante — um reflexo breve, mas suficiente para atrair a atenção de Lilian. Ela reparou na forma como Clara o segurava, com delicadeza, como se aquele pequeno objeto fosse mais do que um adorno.

— É só um presente que me disseram que a minha mãe me deu — disse, com um sorriso forçado.

Lilian não questionou, mas o gesto ficou-lhe na memória. Aquele colar parecia guardar mais do que Clara estava disposta a partilhar.

Clara corou ligeiramente. Guardava o segredo do contacto com Gabriel, mas não sabia como partilhá-lo. E naquele momento, falar sobre isso não mudaria nada. Ou, pelo menos, era nisso que queria acreditar.

— Ele deve lembrar-se de nós, de certa forma — murmurou, com um sorriso discreto. — Tenho a certeza disso.

Lilian suspirou, o rosto suavizando-se.

— Lembrar-se não muda o presente. Gabriel é parte do passado, Clara. E talvez seja melhor assim.

— Se assim o dizes... — murmurou. Mas, pela forma como olhava para o chão, parecia que tentava convencer-se disso também.

A conversa terminou por ali, mas quando deixou Lilian, uma dúvida persistente invadiu-lhe o peito. Até quando conseguiria manter aquele segredo?




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