Lilian inspirou fundo, mas o ar pareceu prender-se-lhe na garganta. O mundo à sua volta permanecia igual, o vento soprava suavemente, os estábulos estavam mergulhados em silêncio, mas dentro dela, tudo se agitava. O homem à sua frente tinha os olhos de Gabriel, mas tudo o resto nele parecia-lhe estranho. O tempo pareceu distorcer-se, os contornos do momento desfocados pela incredulidade. Gabriel. O nome formou-se na sua mente antes mesmo de os lábios o pronunciarem.
— Gabriel? — O nome escapou-lhe pelos lábios. A última vez que o vira, o mundo dela desmoronara-se. Recordava-se do eco dos próprios passos apressados na gravilha molhada, do vento frio que lhe queimava as faces enquanto corria atrás da carruagem que o levava para longe. Do desespero que sentira.
Mas a carruagem nunca parou. O vulto de Gabriel desapareceu no interior escuro, e o som das rodas a afastarem-se foi a única resposta que obteve.
Lilian pestanejou, voltando ao presente. O homem que tinha à sua frente não era o mesmo que partira.
A voz dela atingiu-o como um disparo de canhão. Quantas vezes imaginara este momento? Quantas vezes achara que estaria pronto? Mas o nome dele, nos lábios dela, desarmou-o. Deu um passo em frente, a voz mais baixa do que pretendia.
— Lilian.
Ela não conseguiu evitar um sorriso breve, mas os olhos revelavam a confusão que o seu coração sentia.
— Estás bem...? — A sua voz saiu mais suave do que queria. — Onde estiveste este tempo todo? — Perguntou, a voz com um leve tremor, tentando disfarçar o modo como o seu coração acelerava. Hesitou antes de continuar. — Já sabes que os teus pais… faleceram?
Gabriel respirou fundo, mas o gesto não trouxe alívio.
— Sim, fui informado. — A voz era neutra, mas a sombra que lhe cruzou os olhos denunciou a verdade. Algumas dores nunca se dissipavam completamente. — Quanto à tua outra pergunta… a vida levou-me por outros caminhos.
Lilian observou-o, sem conseguir disfarçar a surpresa. Ele estava diferente. Mais alto, mais forte, o rosto marcado por sombras que antes não estavam lá. Mas o que mais a desconcertava era a forma como aqueles olhos, que um dia lhe eram tão familiares, agora pareciam pertencer a um desconhecido.
Gabriel também a observava, notando cada detalhe. A menina que conhecera desaparecera por completo, substituída por uma mulher de porte elegante e olhar perspicaz. Mas não era apenas a mudança exterior que o atingia, era a distância que agora existia entre eles, como se um oceano se tivesse formado ali, invisível e impenetrável. E, contra a sua vontade, sentiu um aperto no peito ao perceber o quanto ela lhe parecia inalcançável.
Ela cruzou os braços.
— Tens de passar pela mansão para ver a Clara.
Ele permaneceu em silêncio por um momento. Finalmente, acenou com a cabeça, os olhos escurecendo com algo que Lilian não conseguiu decifrar.
— Farei isso.
Lilian não se apressou em desviar o olhar.
— Ela sentiu a tua falta, sabes? E eu também. — A confissão foi dita num tom casual, mas a mágoa escondida nas palavras não lhe passou despercebida. Os olhos dela, de um verde profundo, procuraram os dele, como se tentassem perceber o que ele escondia.
Gabriel vacilou. Ele sabia que não devia alimentar esperanças. Mas ouvir aquelas palavras da boca dela fez algo dentro dele estremecer. Abriu a boca, como se fosse responder… mas nenhuma palavra saiu.
Lilian inclinou ligeiramente a cabeça, como se avaliasse a resposta dele. Então, levou a mão ao queixo, como se estivesse a ponderar algo.
— Já sei. Vou organizar um jantar para celebrar o teu regresso — disse ela, com um sorriso onde se insinuava um desafio subtil.
Gabriel ergueu uma sobrancelha, o desconforto visível na sua expressão.
— Agradeço, Lilian, mas não creio que seja necessário.
— Enganas-te — insistiu ela, a doçura na voz contrastando com o brilho decidido do seu olhar. — Será um jantar formal, respeitando todas as convenções. Podes ficar descansado, Gabriel, todos estarão à altura da ocasião, até tu.
Ele passou a língua pelos dentes, desviando o olhar para o chão.
— Não sei se me encaixo nesse tipo de evento.
Lilian inclinou ligeiramente a cabeça.
— O jantar não será mais difícil do que lidar com o que quer que te tenha mantido longe tanto tempo, Gabriel. Um jantar não te deve assustar tanto assim.
Ele lançou-lhe um olhar que ela não conseguiu decifrar.
— A questão não é o jantar, Lilian.
Ela abriu a boca para responder, mas hesitou. A conversa não iria avançar mais, percebeu, ele continuava tão teimoso como quando era criança. Deu um passo atrás, os olhos a desviarem-se para o cavalo, como se procurasse uma forma de escapar daquela estranha tensão entre eles.
— Eu depois mando avisar-te do dia e da hora.
Preparou-se para montar, mas, no último instante, voltou a cabeça para ele. Os olhos encontraram-se por um breve segundo, tempo suficiente para o silêncio entre eles ganhar um peso impossível de ignorar.