Gabriel deteve-se diante dos portões enferrujados da sua propriedade. O tempo não perdoara — nem à casa, nem a ele. Ao longo dos anos, voltara por breves períodos a Inglaterra, mas evitara sempre aquela casa. Nem mesmo quando o pai morreu. Agora, por causa de Lilian e daquele bilhete, não tinha escolha. O céu, de um azul imaculado, fazia sobressair as sombras das árvores próximas, que se moviam suavemente ao sabor da brisa fria. O ferro corroído, entrelaçado com heras, testemunhava o abandono daquele lugar.
Desmontou do cavalo, no bolso interno do casaco, o bilhete de Clara, com a mensagem urgente, permanecia dobrado. Ele não era homem de confiar facilmente, ainda menos num aviso tão abrupto. Mas a caligrafia de Clara era inconfundível.
Hesitou por instantes, observando o que o rodeava. O ar cheirava à urze que crescia pelo caminho. Aquele lugar, outrora repleto de vida, incomodava-o. Empurrou o portão, as dobradiças enferrujadas a ecoarem como um lamento, como se a casa reconhecesse o regresso do seu filho perdido. Não era dado a sentimentalismos, mas aquele lugar carregava demasiadas memórias. Nenhuma delas boas. Cada passo que dava aproximava-o mais da mansão. As janelas eram buracos vazios, as portadas a balançarem ligeiramente com o vento. Parou no pátio central. O coração apertou-se ao recordar a última vez que estivera ali: o momento em que o seu pai o deixara ir embora sem sequer lutar por ele. Sentiu o maxilar contrair-se com a recordação amarga.
— Não há tempo para isto — murmurou, dirigindo-se à entrada principal.
O cheiro familiar da madeira envelhecida e da humidade impregnou-lhe os sentidos assim que empurrou a porta. A mansão engoliu-o num abraço sombrio, carregado do perfume amargo da decadência. O ranger prolongado ecoou pela entrada, como se a casa sussurrasse memórias esquecidas. Por um momento, pensou em voltar para trás — mas a lembrança do bilhete de Clara reteve-o. O passado espreitava das sombras, silencioso e intacto, preso ao pó acumulado nos móveis e às recordações que nunca se tinham ido embora.
Cada passo que Gabriel dava pela mansão parecia mais pesado que o anterior. As paredes, testemunhas de tantas memórias, exalavam o odor da decadência. Lá fora, o céu azul imaculado contrastava com a escuridão que tomava conta da mansão, e Gabriel não podia deixar de sentir que essa sombra o consumia, como um reflexo do que ele próprio fora forçado a deixar para trás. A casa estava vazia, mas parecia ainda viva com as vozes do passado — as palavras do pai, o som das suas promessas quebradas.
Explorou o espaço com passos lentos e cuidadosos. Cada divisão uma sombra do que fora. Na biblioteca, as prateleiras ainda guardavam volumes esquecidos. O cheiro a papel envelhecido e couro ressequido pairava no ar. Livros que outrora enchiam de orgulho a biblioteca do Visconde jaziam esquecidos, cobertos de pó e mofo.
Detendo-se junto a uma estante, ele passou os dedos por uma das lombadas rachadas. Foi então que uma lembrança antiga o assaltou. A mãe, sentada junto à lareira, lia em silêncio enquanto ele brincava no tapete com pequenos barcos de madeira. Era uma memória suave, resguardada no tempo, antes de o pai se perder no álcool e destruir tudo. O tempo não perdoava nada. Nem casas. Nem heranças. Nem filhos
É para o teu bem, Gabriel — lembrou-se da voz do pai, quando o mandara embora. — Vais aprender a ser forte.
Parou diante de uma das tapeçarias desbotadas, as cores há muito perdidas. O seu olhar viajou até uma poltrona rasgada. Ainda podia ouvir a risada suave da mãe, e, por um momento, ela parecia surgir da memória com os seus olhos acolhedores e o seu amor incondicional — tão real como o cheiro a bafio que impregnava a divisão. Suspirou. A raiva contra o pai e a dor do abandono ainda o consumiam. Mas ao sentir as memórias da mãe, um lado dele queria encontrar um caminho que o libertasse dessa prisão emocional. Ele sabia que, para seguir em frente, seria necessário confrontar esse passado, mas o que ele temia era que, ao fazê-lo, acabasse por perder o que ainda restava de si mesmo.
Ao sair, o sol incidiu diretamente sobre ele, ofuscante após a penumbra da casa. Montou e dirigiu-se à vila, determinado. Ao afastar-se da casa, o bilhete, dobrado no bolso, parecia pulsar contra o peito — uma lembrança constante de que o tempo não estava do seu lado, de que Lilian estava em perigo. Esse pensamento tornava impossível ignorar o passado que sempre tentara deixar para trás.
Estará realmente em perigo? Será por causa dos rumores que ouvira? A dúvida era um veneno subtil, mas suficiente para o fazer seguir em frente.
Chegou à vila pouco antes do meio-dia. As ruas estavam movimentadas, com mercadores a descarregar carroças, crianças a correr entre as barracas e mulheres a negociar legumes frescos. O som de vozes misturava-se ao barulho dos cascos dos cavalos e ao ranger das rodas das carroças. Apesar da aparente normalidade, Gabriel sentia-se deslocado.
Parou o cavalo junto a uma estalagem discreta no final de uma rua. A tabuleta pendurada na entrada oscilava suavemente ao sabor da brisa, o nome do local quase ilegível sob camadas de tinta desbotadas. Prendeu as rédeas num poste de madeira e entrou.
O ambiente no interior era acolhedor, uma fuga bem-vinda ao calor que começava a intensificar-se. O cheiro de pão acabado de cozer misturava-se com o aroma a cerveja e tabaco. Alguns homens ocupavam mesas perto das janelas.
Gabriel entrou na estalagem e dirigiu-se diretamente à mesa mais afastada, onde um homem de cabelos grisalhos presos numa trança curta estava sentado. O olhar penetrante de Dorian ergueu-se assim que Gabriel se aproximou.