O vento soprava suavemente por entre as árvores transportando consigo o aroma fresco a pinheiro e folhas novas. Lilian, montada na sua égua branca, deixava-se embalar pelo som tranquilo da natureza. Era ali, entre os troncos altos e a luz que se infiltrava delicadamente pelas folhas, que ela encontrava refúgio sempre que o mundo a ameaçava.
Ela inclinou-se ligeiramente para acariciar o pescoço do cavalo, a mente absorta pelos últimos acontecimentos. Tinha-se esquecido de como aquele lugar podia ser acolhedor... até ouvir o som de passos a pisar as folhas que cobriam o chão. Virou-se na direção do ruído.
— Não me digas que agora tens medo do bosque, Lilian — disse uma voz grave ironicamente.
O coração dela deu um salto ao reconhecer a figura alta e descontraída que emergia das sombras das árvores. Gabriel estava de pé, com as mãos nos bolsos, a camisa branca aberta o suficiente para deixar ver parte do peito bronzeado. O sorriso que lhe adornava os lábios era uma mistura de provocação e desafio.
Lilian apertou as rédeas do cavalo, inclinando a cabeça num gesto altivo.
— Não é medo, Gabriel. É prudência. Afinal, nunca se sabe que tipo de perigos podem aparecer num bosque.
Gabriel deu alguns passos na direção dela.
— Perigos, dizes? Bom, acho que tens razão. Mas diria que o maior perigo aqui és tu.
Lilian riu-se, embora tentasse controlar o sorriso.
— Sempre tão presunçoso. Acreditas mesmo que me podes impressionar com esse tipo de conversa?
Gabriel fingiu um ar ofendido, levando uma mão ao peito.
— Impressionar-te? Jamais, Lady Cavendish. Seria uma tarefa impossível. Mas confessa: tens saudades que alguém te diga as verdades.
Ela ergueu as sobrancelhas, inclinando-se ligeiramente no selim.
— E que tipo de “verdades” achas que me devem dizer?
Ele aproximou-se ainda mais, parando ao lado do cavalo, com um olhar malicioso.
— Por exemplo, que o teu ar altivo não engana ninguém. És a mesma menina que costumava correr atrás de mim neste mesmo bosque... mesmo que hoje tentes parecer uma dama.
Lilian desceu do cavalo, movendo-se com uma elegância deliberada.
— E tu és o mesmo rapaz convencido que achava que podia ganhar todas as corridas.
Gabriel inclinou-se ligeiramente para ela, um sorriso malicioso a brincar-lhe nos lábios.
— E não fui eu que ganhei?
Lilian deu um passo mais perto, os seus olhos verdes refletindo o desafio no olhar dele.
— Apenas porque te deixei ganhar.
— Deixaste-me? — repetiu ele, inclinando-se ainda mais até o seu rosto ficar quase ao nível do dela. — Acho que preferes pensar assim para não ferir o teu orgulho.
Lilian cruzou os braços, mas o sorriso nos seus lábios traía a tentativa de não rir.
— Se quiseres, posso provar-te que estou certa. Uma corrida até aquele carvalho — disse, apontando para uma árvore ao longe. — Tal como fazíamos antes.
— Teimosa como sempre — provocou Gabriel, observando Lilian afastar uma mecha de cabelo rebelde das faces coradas.
— E tu, ainda insuportável — devolveu ela, mas sem qualquer veneno nas palavras, apenas algo mais suave, quase… nostálgico.
Por um momento, nenhum dos dois se moveu. Gabriel agarrou-lhe a mão e Lilian imobilizou-se. Tinha tirado as luvas quando descera do cavalo e o calor do toque dele, tão inesperado, atravessou-lhe o corpo como um choque. Já não era uma menina, e ele já não era o rapaz imprudente que um dia a desafiara a subir às árvores.
— Mudaste — murmurou ele, o polegar a roçar levemente o dorso da sua mão. Se não parasse ali, não saberia como o fazer depois.
Lilian retirou os dedos abruptamente, abanando a cabeça como se tentasse afastar os pensamentos.
— E tu também.
Um silêncio carregado instalou-se entre eles antes de Gabriel soltar uma curta gargalhada, lançando um olhar ao carvalho.
— Então… estavas mesmo a desafiar-me?
Lilian inclinou ligeiramente a cabeça, sorrindo de forma provocadora.
— Talvez — disse, a voz leve, repleta de desafio. — Ou tens medo de perder?
Ele riu novamente, já abrindo os punhos da camisa e arregaçando as mangas.
— Medo? Não conheço essa palavra.
— Então prepara-te — respondeu ela, posicionando-se para a corrida. — Afinal, não quero ser acusada de te dar vantagem.
— Como se eu precisasse — murmurou ele, alinhando-se ao lado dela. — Aposto que ainda consigo ganhar... mesmo sem esforço.
Lilian olhou-o por segundos antes de gritar:
— Já!
Ela disparou na direção do carvalho antes que ele pudesse reagir completamente, o som da sua gargalhada ecoando pelo bosque. Gabriel demorou um segundo antes de arrancar atrás dela, rindo-se do pequeno truque.
Quando a alcançou junto ao carvalho, ambos estavam sem fôlego. Lilian chegou primeiro, com as mãos a segurarem o tronco e um sorriso de triunfo no rosto. Mas para ele, não fora apenas uma corrida — era como se tivesse corrido atrás do passado. Como se tentasse recuperar algo que pensava perdido.