A propriedade dos Sinclair, àquela hora, já não estava tão movimentada. As obras continuavam, mas o ritmo tinha diminuído. Os homens ajustavam as últimas vigas e limpavam ferramentas enquanto o sol tingia o céu de tons de laranja. Clara aproximou-se pela entrada lateral, onde a estrada era menos frequentada.
Gabriel estava no pátio, de costas. Vestia uma camisa clara, e estava sem casaco. A sua aparência tensa revelava que estava mergulhado em pensamentos. Ao seu lado, um criado tomava notas num caderno de capa escura e cantos gastos, ouvindo atentamente as ordens que ele ditava. Quando o viu, escondeu-se atrás de um pequeno muro de pedra. Não sabia bem como abordá-lo. Ele parecia tão diferente do rapaz que conhecera, e a conversa que precisava de ter aumentava a hesitação.
Inspirou profundamente, ajustando o lenço, e deu um passo à frente.
— Lord Sinclair — chamou, num tom cauteloso.
Gabriel virou-se de imediato, o olhar penetrante. Por um momento, a surpresa foi evidente no seu rosto.
— Clara? — perguntou, dando um passo na direção dela. — O que estás a fazer aqui?
Clara avançou lentamente, os passos hesitantes a traírem o seu nervosismo.
— My Lord... — começou, usando o título com deferência — preciso de falar consigo. É sobre um assunto particular. — Lançou um olhar discreto ao criado.
Gabriel ergueu uma sobrancelha, intrigado. Fez um gesto brusco ordenado ao criado que se retirasse e cruzou os braços, encarando-a.
— Suponho que tenha a ver com Lilian... Foste tu que me enviaste o bilhete, não foste? — perguntou, o tom mais firme do que queria.
Ela engoliu em seco, tentando encontrar as palavras certas.
— Sim… fui. Eu não sabia a quem mais podia recorrer. O Duque... ele está a forçar um casamento entre Lilian e Lord Whitaker — disse finalmente. — Ouvi coisas... coisas que me deixaram assustada.
Gabriel endireitou os ombros, a expressão a fechar-se.
— Vamos para dentro. Isto não é conversa para termos aqui fora — há demasiados ouvidos por perto — disse, num tom autoritário.
Sem esperar resposta, fez-lhe sinal para o seguir e começou a caminhar em direção à entrada principal da mansão.
Clara foi atrás dele, ainda surpreendida com a autoridade que emanava. Ao passarem pelo corredor amplo, revestido de madeira polida que começava a recuperar o brilho original, Gabriel parou uma jovem criada que transportava um cesto de lenha.
— Leva chá e bolos à biblioteca — ordenou, num tom que não admitia hesitação.
A criada curvou-se ligeiramente, deixou o cesto no chão e desapareceu em direção à cozinha. Clara, que seguia um passo atrás, manteve-se em silêncio, sentindo-se quase intimidada por aquele Gabriel que mal reconhecia.
Na biblioteca, a luz filtrava-se pelas janelas altas, desenhando padrões no chão de madeira. Gabriel abriu as portas duplas, deixando que Clara entrasse antes de as fechar atrás de si.
— Senta-te — disse, apontando para uma das poltronas perto da lareira.
Ele próprio escolheu a cadeira oposta, mas não se recostou; manteve-se inclinado para a frente, os cotovelos apoiados nos joelhos e os dedos entrelaçados.
Clara sentou-se, o lenço a deslizar ligeiramente da cabeça ao inclinar-se. O silêncio na sala era palpável, apenas interrompido pelo som leve de passos quando a criada entrou, equilibrando uma bandeja de prata. Colocou-a sobre a mesa entre eles, serviu o chá com cuidado — lançando a Clara um olhar curioso — e saiu discretamente.
Gabriel pegou numa das chávenas, mas não bebeu. Limitou-se a segurá-la, como se precisasse do gesto para controlar a tensão que sentia.
— Agora, conta-me tudo. Desde o início — disse.
Ela assentiu, pousando as mãos trémulas no colo.
— Tudo começou com uma conversa que ouvi entre Claremont — ele é o secretário de Sua Senhoria — e o pai de Lilian. Falavam sobre como o Marquês Whitaker seria um bom marido para ela... e que sabia lidar com mulheres difíceis. Mencionou a primeira esposa dele... disse que ele lidou com ela.
Fez uma pausa, o olhar a desviar-se para a chávena de chá à sua frente. Gabriel não disse nada, mas ela sentiu a tensão no ar intensificar-se. Continuou, agora num murmúrio:
— Depois disso, houve uma discussão entre Sua Senhoria e Lilian. Ele disse-lhe que ela ia casar com Lord Whitaker, e ela recusou-se. Mas o Duque foi claro: para ele, o casamento é inevitável.
Gabriel apertou o punho da cadeira com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos.
— Quando Claremont disse isso... o pai de Lilian não reagiu?
Clara hesitou, mordendo o lábio inferior antes de murmurar:
— Nada. Aceitou como se fosse apenas um detalhe menor. E isso assusta-me, Gabriel.
Gabriel respirou fundo, desviando o olhar para a janela. Ficou em silêncio por um momento, como se ponderasse cada detalhe. Quando voltou a falar, a voz era baixa, mas era a voz de quem já tomara uma decisão.
— Fizeste bem em vir até aqui, Clara. Obrigado por me contares isto.