O portão da casa de Lady Penélope fechou-se atrás deles com um estalido surdo. Na carruagem, o silêncio arrastava-se, denso. Damien ajustou o casaco e recostou-se no assento, os olhos cravados no amigo.
— Nunca pensei dizer isto, mas… — começou, cruzando os braços — Lady Penélope impressionou-me. Parece-me que ela está disposta a enfrentar até o irmão para defender a afilhada.
Gabriel manteve o olhar na janela embaciada.
— Sim, também fiquei com essa impressão. Ela sabe que Lilian está encurralada.
— Achas que está verdadeiramente do teu lado?
Gabriel hesitou antes de responder.
— Não. Acho que está do lado de Lilian. E isso chega-me.
Damien assentiu, pensativo.
— Vais dizer-lhe a verdade sobre Whitaker?
— Vou, ela não precisa de histórias. Sabe o suficiente. E o que ainda não sabe, vai querer saber.
Damien arqueou uma sobrancelha.
— E se não quiser? Se achar que o escândalo de um noivado rompido pesa mais do que a liberdade da afilhada?
Gabriel desviou finalmente o olhar da janela e fitou-o.
— Então vou lutar sozinho. Mas por agora, acredito que vai ficar do meu lado.
Damien soltou um suspiro breve.
— E Lilian?
— Lilian... — Gabriel passou uma mão pelo rosto, a voz a abrandar. — já sabe que este casamento não é o que ela quer.
— E achas que a consegues fazer perceber que tem escolha? Porque, até agora, parece-me que ela está presa entre a lealdade ao pai e o medo da sociedade.
Gabriel manteve-se em silêncio por um instante antes de falar, a voz baixa, como quem expõe um receio.
— E se o medo ganhar?
Damien estudou-o com atenção, o tom a suavizar-se.
— Então voltas a bater à porta. Até ela abrir.
Gabriel desviou novamente o olhar, as mãos pousadas nos joelhos enquanto ponderava as palavras de Damien.
Damien encarou-o, e disse-lhe a sorrir.
— Tu és o homem mais teimoso que conheço, Sinclair.
Gabriel manteve-se em silêncio, mas as palavras de Damien pareciam ecoar no interior da carruagem enquanto esta continuava o seu percurso.
***
Lord Whitaker entrou na sua casa de Mayfair depois de deixar Lilian em casa de Lady Penélope. A criadagem curvou-se discretamente, habituada ao silêncio pesado que o seguia. O mordomo aproximou-se, mas Whitaker ergueu uma mão, dispensando explicações.
— Nada agora. Tragam-me vinho e deixem-me a sós no escritório.
Seguiu pelo corredor acarpetado, virou à esquerda e empurrou a porta do escritório. A divisão era escura, silenciosa, cheirava a couro e fumo antigo. Pousou as luvas sobre a secretária, retirou o casaco e sentou-se.
O criado aproximou-se com discrição, para o servir e saiu.
Quando ficou sozinho, puxou uma folha de papel timbrado e mergulhou a pena no tinteiro. A mão movia-se com uma fluidez elegante, e o conteúdo da carta formava-se com uma clareza que só a premeditação permitia.
Meus senhores,
As negociações em Londres seguem dentro do previsto. A aceitação do Duque está garantida e a jovem Lady Lilian, embora resistente, será brevemente minha esposa. Após o casamento, a influência política será reforçada e os envios podem aumentar sem entraves.
Recomendo que preparem os navios para as próximas semanas. O controlo das rotas será total.
Nada deve falhar.
— S. W.
Selou a missiva com cera negra e o seu brasão pessoal: um falcão em voo sobre um punhal. Depois, levantou-se com a taça de vinho, aproximou-se da janela e espreitou por entre as cortinas, observando o movimento na rua lá em baixo com desdém.
— A fachada perfeita — murmurou. — Por trás dela, tudo se move como eu quero.
Sorveu um gole lentamente, os olhos fixos no exterior.
— Londres tem os seus encantos — continuou, o olhar frio. — Mas o poder… o poder é o verdadeiro prazer.
Virou-se de novo para a sala, tocando o sino que chamava o seu criado pessoal.
— Esta carta — disse, entregando o envelope selado — é urgente. Será entregue em mão. E certifica-te de que ninguém sabe que saiu desta casa.
O criado curvou-se em silêncio e desapareceu, tão eficaz quanto discreto.
Sozinho novamente, Whitaker sentou-se e recostou-se na cadeira, os olhos semicerrados, os dedos a brincar com o pé da taça de cristal.
Ainda não tinha conseguido ultrapassar a ofensa da última nomeação real — mais um homem sem história, promovido com honras que deviam ter sido suas. Era sempre assim. A Coroa recompensava idiotas bem-falantes, mercadores enriquecidos ou filhos ilegítimos com pretensões a moral.
Como Gabriel Sinclair, um corsário.