A manhã nascera cinzenta, com nuvens carregadas a ocultarem o sol, mas isso pouco importava a Lord Whitaker. No seu gabinete, a luz amarelada das velas iluminava o espaço luxuosamente decorado, refletindo-se nas prateleiras de madeira escura repletas de volumes encadernados a ouro.
Sobre a secretária, uma carta aberta repousava entre uma garrafa de vinho e um cálice semicheio. O documento, escrito numa caligrafia quase indistinguível da original, era a chave para a destruição de Gabriel Sinclair.
— Tão fácil — murmurou para si, girando o vinho no copo. — Demasiado fácil.
O sorriso que lhe surgiu nos lábios era de puro deleite. Vestira-se com mais cuidado do que o habitual — hoje não era um dia qualquer. Era o dia em que destruiria a imagem de Gabriel Sinclair.
O casaco azul-escuro, impecavelmente ajustado, contrastava com a camisa de renda branca e a gravata preta, apertada com uma precisão quase sufocante. Cada pormenor fora meticulosamente escolhido. Lilian teria de ver nele um homem seguro, respeitável, confiante.
Uma batida leve anunciou a entrada de um dos seus criados.
— O coche está pronto, milorde.
Whitaker ergueu um olhar de soslaio e deu um último gole no vinho antes de pousar o copo.
— Ótimo.
Apanhou a carta da secretária e dobrou-a cuidadosamente, guardando-a no bolso interior do casaco. Pegou na bengala, mais um acessório de ostentação do que necessidade, e desceu as escadas, cruzando a porta principal.
***
Enquanto a carruagem seguia pelas ruas de Londres, Whitaker observava a cidade com a satisfação de um predador que sentia o cheiro da presa.
A noite do baile tinha-lhe mostrado que Sinclair estava a ganhar terreno, e isso não podia acontecer. — Sorriu maquiavelicamente. O plano estava montado. Agora, só restava executá-lo.
Ele apoiou o cotovelo no encosto de veludo. Dentro de momentos, Lilian seria dele e Gabriel Sinclair seria um fantasma antes mesmo de poder provar a sua inocência.
A residência de Lady Penélope surgiu ao virar da esquina, e Whitaker esboçou um pequeno sorriso antes de a carruagem parar.
O criado abriu-lhe a porta, e ele saiu ajeitando o casaco antes de subir os degraus de pedra. Não precisava de ser anunciado, Lilian não teria a coragem de se recusar a recebê-lo. Bateu à porta com um toque leve, a paciência de um homem que sabia que já tinha vencido a batalha antes mesmo de começar.
***
Lilian estava na sala onde a tia costumava receber visitas, com uma chávena pousada na mesa diante de si — mas o chá há muito arrefecera. Não se lembrava sequer de o ter provado. Estava longe dali. Gabriel.
Fechou os olhos por um instante, permitindo que a lembrança da tarde anterior a inundasse. A forma como ele lhe segurara as mãos. O pedido. A promessa. O beijo. Tudo nela ainda vibrava com a intensidade daquele momento. Cada palavra que ele proferira parecia ter ficado gravada na sua pele, cada gesto um eco a sussurrar-lhe o futuro que, pela primeira vez, ousava desejar sem reservas.
Ele amava-a.
Ele pedira-a em casamento. E ela queria dizer que sim. Já o dissera a si mesma dezenas de vezes nas horas que se seguiram. Não havia mais dúvidas. Podia enfrentar tudo — o pai, a sociedade, o escândalo — mas não podia continuar a negar o que sentia. Pela primeira vez, o futuro parecia ter um nome. E era o dele.
Passou os dedos pelos lábios, como se ainda ali sentisse o calor do beijo. O peito enchia-se-lhe de uma esperança que quase doía. Se aquele era o amor que tantas jovens procuravam, então ela encontrara-o. E não o deixaria escapar.
O som de passos no corredor aproximou-se e Lilian levantou-se, ajeitando o vestido com mãos apressadas. Esperava não parecer tão rendida quanto se sentia — mas no fundo, uma parte dela queria que todos soubessem. Que vissem que o coração dela já tinha dono. E que o tinha escolhido, por fim, sem medo.
Um leve bater na porta e Clara entrou, séria.
— Lilian — chamou Clara suavemente, interrompendo-lhe os pensamentos.
Lilian ergueu o olhar, vendo a expressão séria da amiga.
— Sim?
— Lord Whitaker está aqui. Pediu para ver-te.
O estômago de Lilian contraiu-se e o leve calor que antes sentia foi substituído por uma sensação de náusea. Não queria vê-lo, mas não podia evitá-lo. Ignorá-lo só lhe traria problemas com o pai, e já iria ter muitos quando lhe comunicasse que ia dissolver o noivado e casar com Gabriel.
— Diz-lhe que pode entrar.
Clara hesitou.
— Queres que fique por perto?
Lilian desviou o olhar para a chávena de chá à sua frente
— Fica do lado de fora da porta. Se ele… — Parou, incapaz de terminar a frase.
Clara assentiu, apertando as mãos ao sair.
— Se precisares de mim, chama-me.
Poucos minutos depois, Whitaker entrou na sala, elegantemente vestido. O casaco escuro bem ajustado, a camisa branca impecavelmente engomada e um sorriso perfeitamente ensaiado. Mas Lilian sabia que tudo nele era falso.