Gabriel saiu de casa de Lady Penélope sem destino certo. O ar frio da tarde golpeava-lhe o rosto, mas ele não o sentia.
Ela não tinha acreditado nele.
Esse pensamento martelava-lhe a cabeça ao ritmo do próprio coração, violento, descompassado.
Lilian acreditara que ele era capaz de traí-la. Que o homem que lhe pedira casamento... nunca a amara de verdade.
O aperto no peito era sufocante. Não era só raiva — era perda. Era desespero. Era o vazio de quem viu o que mais desejava escapar-lhe por entre os dedos.
Damien saiu atrás dele, o semblante carregado.
— Ela acreditou na mentira, não foi?
Gabriel manteve o olhar fixo numa carruagem que passava lentamente na rua. Não respondeu logo. Só depois de um instante em que o silêncio pareceu pesado demais.
— Sim.
Damien soltou um breve suspiro.
— E agora?
Gabriel voltou-se, o olhar já sem tumulto, só frio. Determinado.
— Agora vou lutar por ela. Vou provar-lhe que tudo isto é uma mentira. Que ela errou em duvidar de mim.
Damien estudou-o com atenção.
— Achei que ias dizer que ias destruir Whitaker.
Gabriel apertou os punhos, o maxilar contraído.
— Isso também. — A voz saiu baixa, quase letal. — Mas primeiro... Lilian.
Damien não insistiu. Conhecia Gabriel o suficiente para saber que quando ele ficava assim... era porque já nada o detinha.
Entraram na carruagem.
Gabriel sentou-se sem uma palavra, os olhos cravados no nada. Damien acomodou-se ao lado, lançando-lhe um olhar de esguelha. E pensou, não sem um certo respeito:
Whitaker não faz ideia do que acabou de acordar.
***
Naquela noite, Whitaker dirigiu-se ao White’s, o clube de cavalheiros mais exclusivo de Londres. Quando a carruagem parou diante da entrada iluminada, desceu com passos firmes, ajustando as luvas de couro e alisando o casaco com um movimento.
Não precisou de entrar para saber. A conversa sobre Lilian e Gabriel já corria entre os nobres.
Sentiu os olhares dos criados — demorados demais — e os murmúrios abafados entre as colunas de mármore. Falavam dele. Não com respeito. Mas com aquele desprezo polido que só a alta sociedade sabia destilar.
O salão brilhava sob os candelabros dourados, vibrava com vozes veladas e risos abafados. Quando atravessou a sala, sentiu-os. Os olhares. Os silêncios carregados. E sabia exatamente o que pensavam:
Whitaker está prestes a perder a noiva.
Sentou-se num dos sofás de couro, fingindo desinteresse — como quem nem se dá ao trabalho de reparar nos homens que cochichavam à sua volta. Um criado aproximou-se, silencioso, servindo-lhe vinho.
Mas não precisou de esperar muito para que o provocassem.
— Lord Whitaker! — A voz de Lord Fairfax quebrou o ambiente. — Que agradável surpresa. Não o víamos no clube desde o baile de Lady Penélope.
A referência ao baile não foi inocente. Nada ali era.
Fairfax abanou a cabeça, com falsa gravidade.
— Fala-se que Lady Cavendish quer romper o noivado consigo. Isso é perigoso, afinal... que exemplo dará às outras jovens?
O sorriso de Whitaker surgiu, lento, gélido.
Exatamente o pensamento que queria que tivessem. Medo. O mecanismo mais antigo e mais eficaz. E ele sabia usá-lo como ninguém.
Se Lilian desfizesse o casamento, criava-se um precedente. Um precedente perigoso. E os homens ali presentes — chefes de famílias, donos de fortunas, guardiões da ordem social — jamais aceitariam isso.
Ele deixou que o sorriso lhe surgisse devagar — o suficiente para ser educado, mas nunca caloroso.
— Tive assuntos mais importantes a tratar.
Lord Pembroke inclinou-se, com aquele tom ligeiro que mascarava sempre uma lâmina por trás.
— Imagino que sim. Afinal... dizem que a sua noiva tem andado... distraída.
Um riso abafado percorreu o grupo. Não era divertido — era cruel.
Whitaker pousou calmamente o copo sobre a mesa, observando-os.
— Distraída... — repetiu ele, saboreando a palavra como se fosse mel na ponta da língua.
— Oh, não se faça de inocente, Whitaker — murmurou Fairfax, saboreando a provocação. — A cidade inteira comenta o que se passou no baile. Todos vimos os olhares entre Lady Lilian e Lord Sinclair. Uma situação... desconfortável para um noivo, não acha?
Os risos abafados voltaram. Mas Whitaker não reagiu.
Eles estavam a testá-lo. A medir-lhe o orgulho. O sangue-frio.
Mas nenhum deles sabia jogar melhor do que ele.
Recostou-se lentamente, com o cálice na mão. Quando falou, a sua voz era tranquila, quase preguiçosa.