Episodio 2

O dia seguinte nasceu com a leveza própria da primavera. A tarde resplandecia de sol, e uma brisa fresca atravessava os jardins. Mas, para Lilian, tudo era cinzento. Nenhum perfume, nenhuma luz, nenhum sopro suave conseguia atravessar a desilusão — fria, impenetrável — que lhe oprimia o peito.

A viagem na carruagem, ao lado de Lady Penélope, deveria ser reconfortante. Afinal, ela era das poucas pessoas no mundo em quem podia confiar plenamente — talvez, apenas ela e Clara. Mas, naquele momento, nem a presença da madrinha conseguia abrandar a sensação sufocante de estar... enclausurada.

Lady Penélope pousou uma mão sobre a dela, o gesto discreto mas firme.

— Estás pálida, minha querida.

Lilian forçou um sorriso.

— Apenas não dormi bem.

Não era mentira. Como dormir, depois do que se passara? O encontro com Gabriel. A discussão. A ferida ainda aberta de uma traição que lhe queimava o orgulho e o coração.

Mas o que a atormentava não era só a dor do que sentia. Era a consciência brutal de ter perdido o único homem que amara… e de se descobrir agora prisioneira de uma vida que já não queria. Uma jaula feita de ouro. Feita de dever. De aparência. De silêncio.

A carruagem abrandou, depois parou diante da residência de Lady Fitzroy.

Um simples chá da tarde entre damas da alta sociedade. Um ritual habitual, inofensivo, rotineiro.

Mas, para ela, aquele dia... parecia tudo menos isso.

Ninguém precisava de dizer nada.

O salão de Lady Fitzroy estava inundado de flores, de luz e de sorrisos perfeitos — mas ela sentia cada olhar como se fossem pequenas agulhas a cravar-se-lhe na pele.

Não eram olhares frontais. Não eram descarados. Eram fugidios, trocados por cima das chávenas de porcelana, disfarçados atrás dos leques, lançados por entre as conversas leves sobre trivialidades.

Olhares que diziam pobre Lilian.

Que diziam toda a gente já sabe.

Que diziam como é que ela pôde ser tão ingénua?

E o pior... não era o desprezo. Nem o escárnio. Era a compaixão.

Aquela compaixão cortante — social, fria, piedosa — que era quase pior do que ser odiada. Aquele género de piedade que se tem por quem já foi vencido.

Ela manteve-se direita, o queixo erguido, o sorriso delicado e distante que aprendera desde criança. Mas por dentro, sentia-se de vidro — rachada, vulnerável, a um passo de se partir.

Lady Fitzroy recebeu-a com um cumprimento leve e educado.

— Lady Lilian, é um prazer tê-la aqui. Estávamos justamente a falar de si!

Lilian sorriu por cortesia, mas o aperto no estômago intensificou-se.

— Espero que tenha sido algo agradável.

Lady Fitzroy riu-se suavemente, enlaçando-lhe o braço com uma familiaridade forçada. e conduzindo-a para o salão.

— Mas claro, minha querida. Todos estamos tão felizes por saber que o seu noivado com Lord Whitaker está bem encaminhado. Afinal, com os rumores que circulam, seria uma tragédia se houvesse algum mal-entendido, não acha?

O sangue de Lilian gelou. Os rumores.

Eles sabiam. Todos sabiam.

Antes que pudesse responder, Lady Harriet — famosa pela língua viperina — aproximou-se com um sorriso.

— Querida, espero que não se tenha deixado afetar pelos mexericos sobre Lord Sinclair. É lamentável que ele tenha procurado o escândalo. Mas agora que se sabe da tal Emily, ninguém duvida que Lord Whitaker é a escolha sensata.

Lilian sentiu-se tonta por um momento.

Era assim que a viam? Que Gabriel era o vilão? Que ela, inevitavelmente, lhe viraria as costas? Que o seu casamento com Whitaker era inevitável?

Lady Helena, uma debutante com mais curiosidade do que pudor, chegou-se para mais perto de Lilian, a curiosidade mal disfarçada no olhar.

— Mas diga-me, Lady Lilian... foi muito difícil? Descobrir que Lord Sinclair escondia uma noiva nas Caraíbas? O rei sabia disso quando o fez conde?

Lilian sentiu o chão fugir-lhe debaixo dos pés. Não importava o que ela sentia. Não importava se amava Gabriel. A sociedade já decidira o seu destino.

Lady Fitzroy apertou-lhe levemente a mão, oferecendo um sorriso condescendente.

— Não se preocupe, minha querida. Todos a apoiamos neste momento difícil. O seu casamento será memorável. Lord Whitaker saberá protegê-la... de tudo isto.

Lilian tentou falar, mas a voz falhou-lhe.

Era como se estivessem a falar sobre ela, mas não com ela. Como se ela não tivesse escolha. A chávena de chá tremeu ligeiramente nos seus dedos, e Lady Penélope interveio.

— Creio que minha afilhada precisa de um pouco de ar.

Com delicadeza, levantou-se, segurando o braço de Lilian, e conduziu-a até um dos corredores mais tranquilos da casa. Quando ficaram a sós, Lilian finalmente respirou fundo.